Informe n° 915: Termina I Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins
Discussão sobre grandes projetos marca I Assembleia dos povos indígenas de Goiás e Tocantins
Após quatro dias de intensas discussões, chega ao fim a I Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins. O evento foi marcado por desabafos e falas emocionadas sobre os impactos causados pelas grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), previstas para a região, e os problemas no atendimento à saúde e educação.
Para as lideranças, representantes dos povos Krahô, Karaja, Apinajé, Xerente, Krikati, Xambioá, Krahô Kanela, Javaé e Tapuia, entre outros, tais obras trarão somente sofrimento e morte para suas comunidades. Visão bem diferente da divulgada pelo Governo Federal, que continua afirmando que os empreendimentos trarão desenvolvimento e melhores condições de vida para as populações indígenas do país.
Reunidos em Palmas, os cerca de 350 indígenas puderam apresentar seus problemas, discutir soluções, fazer intercâmbio de culturas. Mas, a grande conquista do encontro é a reunião de povos em busca de um objetivo comum: tomar as rédeas de sua existência, com autonomia, fazendo valer seus direitos.
Várias mesas foram compostas com os mais diversos assuntos, como saúde – um dos mais polêmicos – educação, reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai), Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e o assunto considerado o grande tema do evento: os grandes projetos que afetam terras indígenas.
Antônio Apinajé, liderança de seu povo, juntamente com outras lideranças indígenas, compôs uma mesa para falar sobre o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e os projetos vislumbradores de crescimento econômico. Revoltado, Antônio disse não entender como o governo pode gastar tanto com certas questões e quase nada com outras. “Se o dinheiro que o governo gasta com tantos projetos destruidores do PAC fosse gasto com políticas públicas para o desenvolvimento sustentável na Amazônia, era muito mais vantagem para nós, povos indígenas!”, declarou.
Sobre barragens
De acordo com os dados coletados pelo Conselho Indigenista Missionário, existem cerca de 430 projetos de empreendimentos que afetam áreas indígenas e a maioria é de obras hídricas, com 144 projetos. No estado do Tocantins são 16 empreendimentos hidrelétricos e em Goiás, 17, como colocou o secretário adjunto do Cimi, Saulo Ferreira Feitosa. A liderança Apinajé também questionou a falta de investimento em pesquisas nas universidades para outras formas de energia e afirmou: “Vocês sabem o que está acontecendo com o povo do Xingu, minha gente! Pois nós não podemos deixar que essas barragens continuem. Vamos continuar dizendo que barragem não é bom!”.
Selma Xerente deu exemplos de como a questão das barragens afeta a vida de seu povo. “Antes a gente banhava no rio Tocantins, mas agora nem pode porque a água fica parada por causa de Lageado (Barragem do Lageado), e a gente pega doença de pele. Eu achava que a energia de Lageado ia para gente, mas foi para outro país”. Sem rodeios, Selma se mostrou insatisfeita com a sociedade que não respeita os indígenas e desenvolve cada vez mais projetos de destruição. “Esse povo da capital só conhece o dinheiro. Eles maltratam nossa terra, que é a nossa mãe. É o dinheiro que vai encher a barriga deles? Não é!”, desabafou.
Dona Maria da Flor, do povo Krahô, também reclamou da falta de respeito com seu povo e sua terra. “Eles matam nossos peixinhos, a nossa terra já é pequena e eles ainda querem pegar mais! A barragem não serve para o povo, serve para eles que têm carro e avião”. Mas a indignação de dona Maria não é só do povo indígena. Dona Raimunda Quebradeira de Côco foi uma ilustre convidada da mesa, quando deu seu depoimento de luta e resistência. Contou seu passado no Maranhão com sua família de agricultores e quebradeiras de côco. “Tô falando aqui do que eu já vi e do que eu entendo. Vocês estão no caminho certo para brigar por seus direitos. A gente come o pão que o diabo amassou para conseguir nossa terrinha e quando a gente consegue, vem a barragem e acaba com tudo!”, ressaltou.
Numa fala que lembrava muito às lutas dos povos indígenas, dona Raimunda mostrou que a luta dos povos indígenas é a mesma dos ribeirinhos e pequenos agricultores e é preciso lutar juntos, sabendo que o combate é, na maioria das vezes, bastante desigual.
Grandes plantações
Outro ponto forte de discussão no encontro foram as grandes plantações de soja que invadem as terras indígenas, poluem os rios e devastam o meio ambiente. Terra sagrada, mãe para os povos. “Pra gente não tem dinheiro, mas para os fazendeiros tem. Parece que eles são Deus! Chega de doença, de dor de cabeça! A gente tá doente com os venevos das plantações que caem aqui no rio”, disse Selma.
“Os fazendeiros já têm as fazendas deles. Eles vão dar pra gente? Não vai. Então, eu não quero perder minha terrrinha para barragens e plantações de soja”, disse dona Maria Flor. Ela ainda desabafou: “políticos, não fiquem enganando o povo! Isso é covardia com Kraô Kraô”.
Para as lideranças presentes, é complicado entender essa lógica de destinar um montante maior de recursos para obras que causam destruição, enquanto muito indígenas passam necessidade e morrem por falta de assistência médica adequada. “Alguém aqui come eucalipto?”, questionou Antônio. E completou. “Plantam eucalipto para atender a ganância da Vale. E a soja só serve para o estrangeiro, para a exportação! Esses projetos, o governo apóia!”.
Celebração de vitórias
Engana-se, no entanto, os que acham que a Assembleia se resumiu à queixas e manifestações contra os problemas. O momento também foi de partilha e celebração. Celebração e alegria pelas vitórias alcançadas ao longo de tantos anos de luta, vencendo muitas vezes as barreiras do preconceito, da dor, da violência e da falta de condições dignas de subsistência.
Durante os intervalos, os indígenas apresentavam rituais tradicionais de seu povo, com músicas e danças. Tudo regado a muita alegria e esperanças de dias melhores. Grupos culturais da capital, como o grupo Ritmo e Tom do projeto Arte e Fato, marcaram presença no encontro, onde trocaram experiências com os indígenas.
Maíra Heinen
Da I Assembleia dos Povos Indígenas de Goiás e Tocantins