Anistia Internacional: Declaração Pública
Nos dias 20 e 21 de maio, em São José da Costa Rica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos realizará uma audiência pública sobre o caso “Guerrilha do Araguaia” (Caso No. 11.552, Júlia Gomes Lund e outros v. Brasil). Nesta ocasião, a Corte ouvirá os representantes das vítimas, as testemunhas e os peritos, assim como os representantes do Estado brasileiro, no que diz respeito às detenções arbitrárias, às torturas e aos desaparecimentos forçados de várias dezenas de pessoas praticados pelas Forças Armadas do Brasil naquela região do país durante a década de 1970.
No cerne da questão está a Lei de Anistia introduzida pelo governo militar brasileiro em 1979, a qual tem impedido qualquer investigação sobre o destino de ex-integrantes da chamada "Guerrilha do Araguaia", composta por membros do Partido Comunista do Brasil.
Contrariamente à decisão dos tribunais supremos da Argentina, do Chile, do Peru e do Uruguai, onde as leis de anistia foram descartadas por estarem em contravenção às obrigações contraídas pelos Estados em virtude do direito internacional, uma recente decisão do Supremo Tribunal Federal do Brasil indicou que a Lei de Anistia de 1979 era constitucional, e insistiu, mais uma vez, em sua aplicabilidade.
As leis de anistia que pretendem isentar de responsabilidade penal aqueles indivíduos que cometeram ou permitiram que se cometessem crimes de direito internacional – como genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra, tortura, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais, arbitrárias ou sumárias – são incompatíveis com as obrigações dos Estados e devem ser declaradas inválidas. Isso foi confirmado pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, pelo Tribunal Especial para Serra Leoa, pela Secretaria-Geral da ONU e por diversos órgãos criados em virtude dos tratados internacionais de direitos humanos. O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, do qual o Brasil é um Estado-parte, afirma no seu preâmbulo que os Estados estão "decididos a pôr fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes".
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, por sua vez, tem reiterado em diversas oportunidades que leis de anistia – ou de autoanistia, como nesse caso – não são compatíveis com as obrigações dos Estados segundo o direito internacional. Com efeito, a Corte já sustentou, por exemplo, nos casos de "Barrios Altos", de "Almonacid Arellano" e do "Massacre dos Erres Dos", entre outros, que são inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições sobre prescrição e o estabelecimento de exclusores de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e a punição dos responsáveis por violações graves dos direitos humanos, como tortura, execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias e desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por violarem direitos inderrogáveis reconhecidos pelo direito internacional dos direitos humanos.
Espera-se que, nesta ocasião, a Corte Interamericana chegue à mesma conclusão e que, ao estabelecer a nulidade da Lei de Anistia de 1979, obrigue o Estado brasileiro a adotar medidas que contribuam com a revelação da verdade sobre os crimes cometidos contra membros da Guerrilha do Araguaia e certificar-se de que todos os supostos responsáveis por tais atos compareçam perante tribunais de justiça regulares para que sua responsabilidade penal individual seja determinada. Da mesma forma, a Corte deveria determinar amplas medidas de reparação, em conformidade com os "Princípios e diretrizes básicas sobre o direito das vítimas de violações manifestas das normas internacionais de direitos humanos e de violações graves do direito humanitário internacional de interporem recursos e de obterem reparações".
Em resumo, a Anistia Internacional considera que, em conformidade com a jurisprudência da Corte nessa matéria, a qual não deveria variar, a decisão proferida no caso em apreço deva consagrar que o Brasil não possa argumentar haver qualquer lei ou disposição em seu direito interno que o exima da ordem da Corte para investigar e punir os responsáveis pelos crimes cometidos contra a Guerrilha do Araguaia. Tal decisão deveria ainda garantir que o Brasil não possa voltar a aplicar a Lei de Anistia de 1979, nem argumentar sua prescrição, ou a não-retroatividade da lei penal, nem o princípio ne bis in idem, tampouco qualquer excludente de responsabilidade similar, para eximir-se de seu dever de investigar e de punir os responsáveis.