Nota de esclarecimento do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
Em relação à notícia "BNDES financia usinas que compram cana cultivada em áreas indígenas em MS", o MPF em Dourados esclarece:
Demarcações de terras indígenas
– A Constituição Federal determinou, no artigo 231, que a União é responsável pela demarcação e proteção de áreas indígenas. A demarcação é um procedimento administrativo – e não judicial – exercido pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
– O rito de demarcação de terras indígenas está previsto por dois dispositivos legais. A portaria 14/96 da Funai estabelece os critérios para a definição de terras indígenas. O decreto presidencial nº 1775/96 regulamenta o processo de demarcação.
– Quando uma área é considerada de tradicional ocupação indígena por estudos antropológicos da Funai, é publicado no Diário Oficial da União o relatório de identificação e delimitação. O reconhecimento de que uma área é indígena é caracterizado por este relatório.
– A identificação de uma área indígena por parte da Funai vincula as demais entidades da União Federal, entre eles o próprio Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que não pode adotar critérios diferenciados em relação às áreas identificadas e delimitadas.
– Em novembro de 2007, o Ministério Público Federal
– As áreas que já foram reconhecidas como terras indígenas, como Guyraroka, em Caarapó – onde é cultivada cana utilizada pela Cosan – e Jatayvary,
Convenções internacionais
– A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, determina, no artigo 14, que devem-se adotar medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência.
– O artigo 15 da mesma Convenção diz que os direitos dos povos interessados aos recursos naturais existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização, administração e conservação dos recursos mencionados.
Produção de cana
– Em março de 2009, o grupo Cosan comprou todos os ativos da Nova América – que incluem quatro usinas de cana e a tradicional marca de açúcar União. Em fevereiro deste ano, a Cosan se associou à multinacional Shell em uma joint venture. O acordo Better Sugarcane Initiative – do qual a Shell é signatária e que deveria ser seguido pela Cosan – e a política sustentável de bio-combustíveis da empresa definem que a produção de cana não violará a lei nem os direitos humanos, trabalhistas e ambientais.
– A despeito dessas normas, a Cosan compra matéria-prima produzida na fazenda Santa Claudina, que incide na terra indígena Guyraroca, em Caarapó, sul do estado. A área já passou pelos estudos de identificação e delimitação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e foi declarada terra indígena na Portaria 3219/2009 do Ministério da Justiça, publicada no Diário Oficial da União em 8 de outubro de 2009.
– O fato mais grave, de que cana-de-açúcar plantada na fazenda Santa Claudina, que incide sobre a terra indígena Guyraroca, é fornecida para a unidade da Cosan em Caarapó (MS), não foi contestado pela empresa. É irrelevante se o arrendamento é feito pela Nova América Agrícola S/A e posteriormente o produto é vendido para a Nova América Agroenergia. O fato é que o grupo Cosan, que possui os ativos da Nova América, utiliza matéria prima produzida em área reconhecida pela União como de tradicional ocupação indígena e em processo de demarcação.
– A compra de matérias-primas oriundas de áreas comprovadamente indígenas contraria o discurso oficial da empresa, demonstra a falta de critérios socioambientais para seleção de fornecedores e é um desrespeito à segunda maior população indígena do país – cerca de 70 mil pessoas.
Violência contra indígenas nas áreas exploradas
– Em 25 de junho de 2000, foram feitos disparos de arma de fogo, do interior da fazenda Santa Claudina, em direção aos índios que estavam acampados às margens da rodovia que dá acesso à fazenda. Na fuga, uma mulher caiu sobre o filho de 11 meses, que carregava no colo. O bebê faleceu no dia seguinte, em consequência de traumatismo craniano. O MPF ajuizou ação na Justiça Federal, contra o autor dos disparos, um funcionário da fazenda.
– A Cosan explorava, sem autorização da comunidade, cascalho pertencente à Terra Indígena Taquara para utilização nas estradas por onde trafegam os caminhões da usina Nova América. A prática foi interrompida após intervenção do órgão ambiental estadual.
– A TI Taquara foi palco do assassinato do cacique Marco Veron e de violência contra outros seis indígenas, em janeiro de 2003. Três funcionários da fazenda Brasília do Sul, que incide sobre a área, foram acusados pelo MPF de matar a pauladas o cacique, então com 72 anos. Outras 24 pessoas foram acusadas pelo MPF de participação nos crimes. O caso foi transferido para a Justiça Federal de São Paulo, a pedido do MPF, por causa da falta de isenção que um júri popular sobre a a questão indígena teria
Referência processual:
Morte do bebê indígena: 2000.60.02.001833-1, Justiça Federal de Dourados
Caso Veron: 0000374-28.2003.4.03.6002, Justiça Federal de São Paulo, Fórum Criminal
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Ministério Público Federal
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