No encalço da justiça
Aramy (pequeno céu) parece incansável. Está descobrindo o mundo. O mundo da cidade grande muito diferente da aldeia Kaiowá Guarani, no Mato Grosso do Sul. Mas ela não parece se importar com a multidão de gente nas ruas, no metrô, na estação da Sé,
Representantes e parentes de lideranças Kaiowá Guarani assassinados, de comunidades despejadas para a beira da estrada, vieram a São Paulo no encalço da justiça. “É aqui que são tomadas muitas das decisões sobre nossas vidas, nossas terras, nossas lideranças. Por isso viemos aqui para São Paulo, não para pedir esmola, mas para exigir justiça, exigir nossos direitos”, falou uma das lideranças da delegação de sete representantes de cinco aldeias.
Querem cortar nossa língua
“Estou muito indignada, muito triste. Querem cortar minha língua. Será que não tenho o direito de falar, me expressar e defender em minha própria língua?, indaga Valdelice Verón, filha de Marcos Verón, diante dos procuradores do Ministério Público Federal,
Em depoimento emocionado e indignado, Valdelice Verón lamentou que pessoas “com tanta educação”, não saibam respeitar as diferenças, como está garantido na lei. “Onde está a educação dessas pessoas que podem julgar um povo tão diferente como nos indígenas?” E concluiu: “Cortar a nossa língua será acabar com nossa história e o nosso povo Kaiowá Guarani”.
Onde está a justiça?
As falas dos representantes das aldeias de Kurusu Ambá, Ypo’i, Takuara, Laranjeira Nhanderu e Nhanderu Marangatu aos procuradores do Ministério Público foram todos numa mesma direção: “Não agüentamos mais o massacre do nosso povo. Se nossos direitos não são respeitados, se não é feito justiça, se a violência e mortes aumentam cada dia, e nada é resolvido, nós é que vamos agir. É isso que viemos dizer aqui aos senhores. No Mato Grosso do Sul nós não somos vistos como gente, como ser humano. Estamos sendo engolidos pela cana, pela indústria, pela soja”.
O pai do professor Rolindo, sumido há mais de seis meses na mesma ocasião em que foi brutalmente assassinado o professor Genivaldo, na retomada do tekoha Ypo’i, município de Paranhos, disse que veio buscar respostas. Se a Polícia Federal não voltar a buscar o corpo de seu filho, eles mesmos terão que procurá-lo. “Nada foi resolvido. E os assassinos estão todos soltos lá na região”, desabafou Rodolfo, irmão de Genivaldo.
Os representantes de Kurusu Ambá externaram seu temor de que com eles venha acontecer o mesmo que aconteceu com Laranjeira Nhanderu. Ou seja, que depois dos 80 dias que restam, sejam despejados novamente para a beira da estrada. O procurador da Funai garantiu que estão sendo tomadas todas as providências para que isso não venha acontecer.
Numa conversa muito franca a delegação buscou esclarecimentos sobre as graves situações que enfrentam em decorrência da luta pela terra e as conseqüentes violências. Ouviram as ponderações sobre os limites e possibilidades da atuação do ministério público, uma vez que a decisão é da justiça e esta tem se revelado cada vez mais conservadora e lenta quando se trata dos direitos dos povos indígenas e conquistas sociais constitucionais.
São Paulo, 07 de maio de 2010.
Egon Heck
Movimento Povo Guarani Grande Povo
Lideranças Guarani Kaiowá,
Por Justiça, Terra e Vida
Viemos do Mato Grosso do Sul a São Paulo na luta por nossos direitos, buscando apoios e aliados, esclarecendo a dramática situação por que passam os mais de 40 mil Kaiowá Guarani, espremidos em menos de 40 mil hectares de terra e jogados às beiras das estradas em 22 acampamentos indígenas. Estamos cada vez mais sendo engolidos pela cana, soja e gado. O nosso direito que foi conquistado na Constituição de 1988, não está sendo cumprido.
Várias usinas de etanol estão em construção, sendo previsto um total de 60 novas usinas, a serem construídas nos próximos anos, em cima de nossos territórios. Tudo isso põem em perigo a nossa sobrevivência como povo Guarani, caso não sejam tomadas as providências imediatas de reconhecimento de nossos territórios.
A situação de violência a que estamos submetidos e que acontecem em nossas aldeias é considerada superior ao que acontece nas grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo e mesmo nas áreas de guerra, como Iraque e outros lugares de conflitos abertos, pelo mundo afora.
Sabemos que essa situação só vai melhorar com a nossa efetiva luta e apoio dos aliados e amigos no Brasil e pelo mundo afora. É por isso que estamos aqui
Viemos reivindicar e exigir das autoridades responsáveis:
2. Que dentro dos próximos 80 dias, a FUNAI tome providências necessárias para o reconhecimento e permanência da comunidade Kurusu Ambá em suas terras, ressaltando que o grupo de trabalho de identificação da FUNAI está paralisado;
3. Que ocorra a punição dos responsáveis pelos assassinatos de todos os Guarani Kaiowá, nos últimos anos, na luta por seus direitos;
4. Queremos o julgamento imediato, dos acusados do assassinato da liderança Guarani Marcos Verón;
5. Queremos o empenho da Polícia Federal para a localização do corpo do professor Olindo Vera, desaparecido há mais de 6 meses e a punição dos assassinos do professor Genivaldo Vera;
6. O julgamento imediato da Terra Indígena Nhanderu Marangatu, pelo Supremo Tribunal Federal;
7. Urgente solução para a dramática situação em que se encontra a comunidade Laranjeira Nhanderu, despejada na beira da BR-163, em setembro de 2009, encontrando-se em situação de extrema insalubridade, violência e miséria.
“Somos os verdadeiros donos desta terra.
Acabou a nossa paciência, o que nos
resta é a nossa união e mobilização
na luta pelos nossos direitos e apoio de todos”
São Paulo, 05 de maio de 2010.
Lideranças das comunidades Kaiowá Guarani, do Mato Grosso do Sul: Kurusu Ambá, Ypo´í, Laranjeira Nhanderu, Taquara, Nhanderu Marangatu