06/05/2010

Texto sobre hidrelétrica de Belo Monte apresentado durante 48ª Assembléia Geral da CNBB

Hidrelétrica de Belo Monte[1]

O projeto governamental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, nos últimos dias, virou símbolo de polêmica em diversas dimensões: ambiental, indígena, ribeirinha, social, econômica, dos processos de licenciamento, dos métodos de audiência pública, do papel da mídia, de modelo energético, de concepção de desenvolvimento, de financiamento estatal, de futuro da Amazônia brasileira e, finalmente, das relações do Poder Judiciário com o Poder Executivo.

 

As primeiras referências à construção de hidrelétricas naquela região do rio Xingu datam dos anos 70, quando os militares traçaram planos para a construção de inúmeras barragens em toda a região amazônica. O desenvolvimento de tais projetos, no entanto, encontrou forte resistência nos anos e décadas seguintes, pois foi concomitante ao crescimento das lutas indígenas e das populações tradicionais, na defesa de seus territórios e de seus direitos históricos.

 

O projeto original tinha por nome “Kararaô” e pretendia alagar cerca de 1.500 quilômetros quadrados de florestas e áreas indígenas. Circulou por todo o mundo, a foto do representante da Eletrobrás com um facão no pescoço, empunhado pela indígena Kaiapó, Tuíra, mostrando sua indignação frente à ameaça de suas terras serem alagadas pelos seis barramentos projetados para o rio Xingu. O movimento ambientalista, que cresceu no país após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1989, aliado ao movimento indígena, conseguiu com que o projeto fosse sustado durante mais de uma década. Experiências extremamente negativas, como da Usina Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, inviabilizaram, moralmente inclusive, a continuidade deste e de outros projetos do setor elétrico brasileiro.

 

A chamada “década perdida” em termos de crescimento econômico, associada às concepções de “Estado mínimo”, dos anos 90, onde o planejamento estatal foi abandonado, deixou dormindo nas gavetas da burocracia governamental, diversos projetos de investimento em infra-estrutura, inclusive hidrelétricas. Com a retomada dos projetos de desenvolvimento, ao longo dos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vários projetos voltaram para as pranchetas dos técnicos governamentais, entre eles a antiga hidrelétrica “Kararaô”, que foi reduzida e rebatizada de “Belo Monte”.

 

Frente às fortes críticas de ambientalistas e dos povos indígenas, o projeto foi redesenhado, reduzido em suas dimensões para cerca de 500 quilômetros quadrados de área alagada e reduzido de seis para um barramento, na chamada Volta Grande do rio Xingu. Mesmo assim, trata-se de um grande projeto, avaliado como a terceira hidrelétrica do mundo, inferior apenas à hidrelétrica de Três Gargantas, na China, e à hidrelétrica de Itaipu, e continua de grande impacto sócio-ambiental.

 

O governo realizou audiências públicas e o processo de licenciamento, viabilizando a formação dos consórcios e o leilão desta hidrelétrica no dia 20 de abril último. Nada disso, no entanto, vem sendo realizado tranquilamente, pelo contrário. Questionamentos vieram de inúmeras áreas, dos povos indígenas e ribeirinhos, do Ministério Público, dos ambientalistas, de uma plataforma de cientistas que estudaram o projeto etc. Destaca-se, entre os críticos de Belo Monte, o Bispo da Prelazia do Xingu, Dom Erwin Krautler, que colocou pessoalmente ao presidente Lula sua inconformidade com o projeto e suas razões, tendo aberto espaço, nesta mesma reunião, para a fala de representantes dos povos indígenas, ribeirinhos, do Ministério Público e dos cientistas.

 

Apesar da “licença prévia” ter sido dada, e de ter viabilizado o leilão, é necessária a “licença de construção”, para que Belo Monte venha a ser concretizada. Daqui até esta possibilidade, a polêmica só tende a crescer, com os argumentos e ações judiciais de parte a parte sendo colocados.

 

Por um lado, o governo sustenta que os impactos do projeto inicial, Kararaô, foram reduzidos em um terço e que medidas de redução e mitigação de impactos foram e serão tomadas, incluindo um projeto de desenvolvimento regional e um conjunto de condicionantes, no valor de 800 milhões de reais em investimentos públicos, protegendo o meio ambiente e as comunidades atingidas e criando políticas públicas em saneamento básico, saúde e educação para a população. Sustenta, também, que o país necessita de “uma usina de Itaipu a cada três anos”, ou cinco mil megawatts por ano, “para dar continuidade ao projeto de crescimento econômico e inclusão social dos últimos anos”.

 

Por outro lado, os críticos do projeto questionam a ausência de escuta das comunidades que seriam atingidas, indígenas e ribeirinhas; a exclusão do Ministério Público do processo; a falta de informações precisas sobre os impactos sócio-ambientais de Belo Monte; sobre os riscos para a vida das comunidades e para o meio-ambiente; sobre a navegabilidade do rio Xingu e o futuro das cidades da região; sobre as políticas públicas para dar conta da chegada de mais de 100 mil migrantes à região; sobre a possibilidade de no futuro os demais barramentos serem retomados, atingindo fortemente todos os povos indígenas da região do Xingu.

 

Os críticos de Belo Monte, incluindo o Bispo do Xingu Dom Erwin Krautler, questionam, principalmente, a própria concepção de crescimento econômico assumida pelo governo Lula, da qual Belo Monte faz parte.

Documento apresentado pelo pesquisador da Universidade Católica de Brasília (UCB), Daniel Seidel.


 


 

[1] Para dados mais detalhados, acessar a Análise de Conjuntura Especial do CEPAT sobre Belo Monte, disponível em http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=29930.

 

Fonte: CNBB
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