03/05/2010

Enchentes aterrorizam povo Xokleng em SC

Com a chegada do período chuvoso no sul do país, o drama de centenas de famílias Xokleng, no Alto Vale do Itajaí, vem à tona. As águas trazem uma história suja de barragens e progresso, contra povos indígenas e seu convívio harmonioso com a natureza

Madrugada do dia 22 de abril. Fortes chuvas assolam a região sul do país. Em Santa Catarina, o volume de água atinge níveis alarmantes. O Rio Hercílio sobe, exigindo muito da estrutura da Barragem Norte, construída na década de 70 para conter as cheias que atingem várias cidades do Vale do Itajaí e para que não se repitam as tragédias ocorridas nos anos de 1983 e 1984 quando a cidade de Blumenau ficou completamente submersa.  

Terra indígena La Klãnõ – Aldeia Palmeira, Alacok Patté dorme com seus filhos e netos em sua casa de alvenaria construída pela empreiteira responsável pela construção da barragem, como uma das tantas benfeitorias prometidas no Protocolo de Intenções. Alacok e sua família acordam apavoradas com o barulho do morro caindo sobre a porta de sua casa. “Com muita fé não aconteceu nada com gente. Mas para cá eu não quero mais voltar”, afirma a senhora, viúva do cacique Lauro, encontrado morto na estrada geral da aldeia. Cacique Lauro, como tantas outras lideranças, se mostrava insatisfeito com a construção da barragem.

O Conselho dos Caciques e outras lideranças entraram em contato com a Defesa Civil, municipal e estadual, solicitando que fosse tomada alguma providência, mas não foram atendidos. “Se não for tomada uma providência pelas autoridades, o nosso posicionamento será outro, pois não podemos mais esperar”, afirma Setembrino Vomblê, membro do Conselho de Caciques.

Para a liderança esses problemas acontecem, não somente por condições climáticas, mas pela falta de compromisso. “É tudo uma questão política”, diz. “Se fossemos 50 mil eleitores dentro da Terra Indígena, esse descaso não aconteceria. Em 1912 matavam a gente com arma de fogo, agora estão matando com caneta e computador. Tudo em nome da tecnologia, da evolução, do progresso. Entendemos o que é catástrofe. Mas aqui é falta de compromisso com o povo, é ganância”, desabafa.

As fortes enxurradas cortaram estradas, impossibilitando inclusive o transporte escolar. “As crianças estão sem aula há uma semana, não sabemos mais o que fazer. É tudo tão difícil para a gente”, comenta a professora Margareth Patté.

Seguindo os estragos do dilúvio, as águas também romperam o sistema de abastecimento. As sete aldeias Xokleng estão sofrendo com a falta de água. “Aqui está um caos e o governo vem falar de proteção ao meio ambiente. Eles estão acabando com a gente com essas barragens e usinas. Espero que o povo no Xingu entenda o nosso problema com a barragem e não aceite esse horrível Belo Monte”, alerta o cacique Setembrino.

De acordo com o cacique, tem parente que precisa atravessar o rio de canoa, vendo troncos de árvores boiando bem perto da pequena embarcação. “Eu preciso rodar 200 km para sair da aldeia. E o prefeito diz que está tudo sob controle. Controle da água eu acho”, afirma. 

Os Xokleng subiram para morar no alto, fugindo do espelho d’água, agora o céu desaba em cima de suas cabeças.

Isolina Nunc-nfooro Jacinto, cacique da Aldeia Toldo, comunidade mais isolada da região, afirma que nunca viu tanto descaso. “O desrespeito é tão grande. Eu não sei que lei é a que pode resolver isso. E a gente briga, corre atrás, denuncia ao Ministério Público e não adianta nada. A pessoa chega ao seu limite. Quando começamos a quebrar tudo, ai vem nos dizer que somos selvagens. A defesa civil não vem aqui olhar a nossa situação. As aldeias vivem sem atendimento, as estradas estão cortadas e ficamos isolados do mundo. Saio de casa e não deixo data de quando volto”.

Cansada com tanto pesar, Suzana Teiê, liderança da Aldeia Figueira protesta em tom de desabafo. “Índio pode morrer que ninguém atende. Ninguém fala dos índios, que estamos sendo prejudicados. Meu filho está doente há uma semana. Eu não consigo fazer nada. O problema dos Xokleng é muito sério. A Figueira está a ponto de cair”.

Segundo o Cacique Geral do povo Xokleng, Aniel Priprá, essa enchente foi a maior dos últimos tempos e lembra dos problemas gerados por esse grande projeto. “Não foi feito nenhum estudo de impacto. Se o Ministério da Integração Nacional cumprisse com a sua palavra só iria amenizar. A barragem nos trouxe tanto mal. Perdemos nossa terra, um parte da nossa cultura, tradição e comunidade. Foram criadas 07 aldeias, antes era uma só, como uma grande família”, afirma o cacique.

Após ofício nº 065.2010 da Procuradoria da República no município de Rio do Sul, responsável pela região, cobrando resultados à Defesa Civil, o prefeito resolveu decretar Situação de Emergência no município de José Boiteux. Entretanto não fora publicado, em virtude de não haver ninguém na prefeitura que sabia como fazê-lo.

De acordo com dados do Departamento Estadual de Defesa Civil, o Estado de Santa Catarina possui até o momento, 60 municípios atingidos pelas enxurradas e 36 decretos de Situação de Emergência. Ao todo, 6.640 desalojados e 757 desabrigados. O número de afetados ultrapassa 160 mil pessoas.

Povo Kokleng e a Barragem Norte

“Foi embora a nossa riqueza. Temos muitas saudades dos Caités e Salseiros que ficavam enfeitando a beira do rio. Virou tudo um grande lamaçal, quando chove é enchente, quando seca é lama”, lembra Dona Isolina, completando com um olhar emocionado: “Dizem que o índio é saudosista. Muitos índios vivem doentes, com depressão, pois sabemos que não voltará a ser como era antes. O que mostraremos aos herdeiros do nosso povo ?

A Barragem Norte, com capacidade para 358.000.000 m3 de água é considerada uma importante obra para conter as cheias que atingem várias cidades do Vale do Itajaí.

Mais de 900 hectares de terra fértil do Povo Xokleng foi submerso com a construção da Barragem Norte, no final da década de 70.

A Justiça Federal já condenou a União e o Estado de Santa Catarina a cumprirem o Protocolo de Intenções assinado em janeiro de 1992 para a compensação dos prejuízos ao povo Xokleng, em função da ocupação de parte de suas terras pela bacia de acumulação da Barragem Norte.

O processo de ampliação de limites segue estacionado, ainda não houve compensação territorial das áreas perdidas com a barragem e os Xokleng continuam habitando as encostas.

* foto – Diego Janatã

Fonte: Diego Janatã - jornalista
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