Quando era o dia
Somata senta na banqueta estrategicamente acomodada no pátio na casa da aldeia. Ali se acomodou prazerosamente para saudar a chegada de mais um dia. Porém desta vez não era um dia qualquer. Genericamente as gentes da região falavam de “dia do índio”. Se dá conta que é seu dia, afinal de contas ele é Guarani Kaiowá. Uma imensa tristeza toma conta de seu coração. Sequer uma cabeça de boi, uns miúdos ou ossos para fazer um puchero tem conseguido. Engole em seco a dor de ter um dia, que nada mais é do que mais um dia amargurando sua sina de um confinado. Saúda o sol que vem lhe acariciar e pede a proteção de Nhanderu, Tupã. Logo está rodeado dos outros companheiros. Vão juntos fazer a sonhada retomada, retomada da esperança e chão.
Lula e Belo Monte em Roraima
Já na cabeça do presidente Lula, tudo é Belo Monte. É a energia que o toca. Não deixou passar o dia do índio sem prestigiar o fato que reputa como o mais relevante de seu governo na questão indígena: a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol,
Aproveitando o ensejo o representante Kaiowá Guarani conseguiu até um pé de prosa com o presidente. Este lhe confirmou que há 10 anos está tentando resolver a questão das terras Guarani. E prometeu agendar uma conversa com representantes Kaiowá Guarani para o mês de maio. Segundo Anastácio, o presidente explicou que até o final de seu mandato quer resolver a questão. Porém, como é muito lento, insistiu que uma saída provisória para aqueles grupos que se encontram na beira da estrada é comprar alguma terra para que ali possam viver enquanto a questão da identificação das terras vai avançando.
Além da entrega do documento ao presidente, Anastácio ressaltou que houve a manifestação unânime das organizações indígenas em apoiar seus parentes Kaiowá Guarani na luta por suas terras. As falas das lideranças, desde Jacir Makuxi até Davi Yanomami, mencionaram a grave situação desse povo indígena e outros, no Mato Grosso do Sul, que não agüentam mais tanta violência e a não solução da questão de identificação das terras.
Com certo orgulho e satisfação do dever cumprido, a liderança Kaiowá Guarani, asseverou “Agora é cobrar do presidente!”
Mas a preocupação do presidente estava de fato em garantir um de seus mais ambiciosos projetos: a hidrelétrica de Belo Monte. Não poderia deixar de defender a obra que afetará seriamente vários povos indígenas e população ribeirinha. "’O dado concreto é que a hidrelétrica é mais barata e a usina térmica polui que é uma desgraça’, disse Lula aos representantes das comunidades indígenas”. (Estado de São Paulo, 20/04/10)
E assim, nos recônditos espaços de luta histórica dos povos indígenas de Roraima, Maturuca, Raposa Serra do Sol não deixou de haver mais um capítulo da imposição “goela abaixo” do grande projeto veementemente contestado pelos povos indígenas e amplos setores da sociedade.
Egon Heck