08/03/2010

A mulher indígena e a grande aldeia

Na comemoração dos 100 anos do dia internacional da mulher, nada mais justo do que lembrar as mulheres que há mais de dez mil anos são as primeiras responsáveis pela vida humana nesta parte do planeta terra. As mulheres indígenas são as sabias guardiães dos segredos da continuidade da vida e da construção da harmonia e felicidade na interação de todas as formas de vida, na pluralidade da bio e sociodiversidade.

 

Dona Francisca Vera senta-se dentro do barraco onde o corpo de seu filho Jenivaldo está “guardado”, e onde ele viveu até ser brutalmente assassinado e jogado no rio Ypo’i, no início de novembro de 2009.  As lágrimas se revoltam. A mão da mãe as recolhe procurando esconder a dor.  O sofrimento de Dona Francisca representa hoje a homenagem da revolta silenciosa de milhares de mães indígenas, Kaiowá Guarani, que choram pelos filhos cujas vidas foram ceifadas pela violência extrema que hoje se abate sobre e dentro das aldeias  desse povo indígena, numericamente o maior do Brasil submetido às  maiores brutalidades e violências no país. Nos últimos anos, os assassinatos anuais de Kaiowá Guarani foram  sempre mais da metade dos ocorridos com os mais de 230 povos indígenas, conforme o relatório de violência do Cimi. E dentro das aldeias quem mais fortemente sofrem com essa violência são as mulheres.  Essa homenagem às mulheres Kaiowá Guarani é uma forma de protesto contra toda sorte de violência e sofrimento, de que são vítimas as mulheres indígenas.

 

Na aldeia de Ypo’i outra mãe, Damita, relatava sua angustiante situação. A esposa do professor Rolindo, com seus quatro filhos, o mais velho 8 anos,e a mais nova menos de quatro meses, tendo nascido poucos dias depois do pai ter sido agarrado, batido e possivelmente assassinado e seu corpo ocultado até hoje. Damita está passando fome e privações sem saber como manter os filhos.  Aos soluços suplica ajuda, pois a situação é cada dia mais angustiante e difícil. Faz um veemente apelo para obter informações sobre o corpo de Rolindo, pois está com a alma ferida.

 

As mulheres indígenas e um outro mundo possível

 

Sem dúvida a crescente organização, visibilidade e luta das mulheres indígenas , nativas, no mundo inteiro está sendo uma das forças e esperanças na construção desse outro mundo possível. Mulheres indígenas tem se destacado na luta pelos seus povos e pelos direitos humanos indígenas no mundo, como Rigoberta Menchu, que recebeu o Premio Nobel da Paz, na década de 90, e Blanca Schancoso,  que tem participado intensamente nos diversos espaços de luta pela vida, dignidade e mudanças sociais mais profundas e igualitárias no mundo inteiro.

 

Neste momento em que na grande aldeia global se comemoram 100 anos da instituição dessa importante data, para lembrar a luta das mulheres por um mundo de mais igualdade e menos injustiça e violência, nas pequenas aldeias em retomada, um longo e difícil caminho está sendo  construído

 

Comissão de Dreitos Humanos em aldeias Kaiowá Guarani

 

Neste dia internacional da mulher, uma Comissão ligada a organismos dos direitos humanos, estará visitando o acampamento Indígena de Laranjeira Nhanderu e Passo Piraju. Nesta última serão ouvidos os pais de Jenivaldo e Rolindo, que lhes entregarão um documento em que pedem providências urgentes, fim da impunidade e identificação e demarcação de sua terra tradicional, Ypo’i. Será um gesto significativo dentro do mar de sofrimento e violências que se abatem hoje sobre as aldeias Kaiowá Guarani, no cone sul do Mato Grosso do Sul.

 

Egon Heck

Cimi Regional MS

Fonte: Cimi Regional MS
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