Campanha da Fraternidade e Povos Indígenas
A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2010 tem como objetivo fortalecer os laços de fraternidade e de cooperação entre as Igrejas Cristãs e pessoas de boa vontade na promoção de uma economia a serviço da vida, sem exclusões, construindo uma cultura de solidariedade e paz.
As comunidades cristãs, nesta Campanha são chamadas a se deixar provocar pelas palavras do evangelho “Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde as traças e os vermes arruínam tudo, onde os ladrões arrombam as paredes para roubar. Mas cumulai para vós tesouros no céu” (Mt 6, 19-20). “Ninguém pode servir a dois senhores: ou odiará a um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24). Jesus assume esta pratica, na relação diária, assumindo a simplicidade no uso dos bens materiais, de solidariedade com os pobres, de distribuição gratuita dos dons de Deus.
O tema da campanha da Fraternidade "Economia e Vida" quer provocar todas as pessoas de boa vontade para uma reflexão sobre o modelo econômico neoliberal e as conseqüências deste para toda a humanidade. O lema: “Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6, 24), é uma iluminação, que nos ajuda a posicionar-nos frente a qual modelo defendemos, o da vida ou o da morte.
Os povos indígenas nos ajudam a refletir sobre o sentido desta Campanha, nos afirmando com sua prática diária que economia é uma cadeia que se relaciona entre si, por isso, é necessário ser considerado um todo, como: educação, saúde, economia, cultura, religião, garantia dos territórios e sua integridade física, enfim um conjunto de práticas que envolvem o viver e o ser de um povo. Um povo é autônomo quando está planejando suas ações de forma que constroem o seu projeto de vida, garantindo sua sustentabilidade e também das gerações futuras. Estas ações podem ser a curto, médio ou longo prazo. Este tema provoca uma profunda reflexão sobre os modelos de sobrevivência de cada povo, que envolvem todas as práticas que contribuem com um verdadeiro projeto de desenvolvimento.
No Brasil, das 27 unidades da Federação, 24 têm povos indígenas, num total de 230 povos que convivem com a sociedade nacional, falando 180 línguas maternas. Além destes, há 67 povos indígenas em situação de isolamento e risco de extinção ou ainda não contatados. Destes, 15 estão no estado de Rondônia. A maioria dos povos ainda vive de suas economias tradicionais. A base de suas relações comerciais é a troca ou a venda de produtos confeccionados nas aldeias, como a farinha, o artesanato e outros. A economia indígena pode ser considerada um exemplo historicamente vivo de auto-sustentabilidade e integração com o meio ambiente, na medida em que as populações indígenas sobreviveram e se reproduziram historicamente segundo modelos próprios, com baixa interação e integração com a economia de mercado.
A terra é mãe para os povos indígenas, um ser sagrado que merece respeito, não deve ter o sentido de mercadoria e lucro. Vale salientar que muitos destes povos não têm seu território tradicional regularizado, outros ainda nem sequer estão reconhecidos pela política do Governo Federal e continuam sendo discriminados pelo órgão oficial. Regras sociais e culturais, individuais e coletivas, que estruturam as economias indígenas e os processos de etno desenvolvimento, contribuíram até hoje para a preservação da qualidade ambiental e da biodiversidade.
Os povos indígenas sempre tiveram formas próprias de desenvolver as relações econômicas entre pessoas, famílias e comunidades. Economia da reciprocidade, solidariedade, etno desenvolvimento, auto-sustentabilidade e autonomia é o fruto do dia a dia nas comunidades indígenas. Na base destas relações está a prática de reciprocidade, ou seja: dar e receber. Estas ações são partes de um movimento único e as trocas entre as pessoas e entre os grupos são permanentes. A reciprocidade garante a redistribuição permanente dos bens no interior da comunidade e impede que uma só pessoa acumule grande parte da riqueza do grupo. Nas comunidades indígenas não há descriminação, eles acolhem e valorizam os idosos e não existem crianças abandonadas; a alegria é festejada por todos e a dor de um é dor de toda a comunidade.
É uma economia na qual a convivência, a solidariedade e a reciprocidade são elementos fundamentais, as atividades econômicas conciliam a competência para produzir (quem conhece os objetos de artesanato indígena, por exemplo, sabe como são sempre feitos com grande capacidade e beleza), o conhecimento e respeito à natureza, os saberes tradicionais do grupo, as crenças e as visões de cada povo sobre o mundo.
No estado de Rondônia, existem pelo menos 15 povos que se mantêm distanciados do contato com nossa sociedade. Conseqüentemente, vivem suas economias em sentido pleno, sem interferência da lógica capitalista, para a qual o lucro e a acumulação de dinheiro estão acima de tudo, até da própria vida. Os povos em situação de isolamento e de risco estão aí para nos mostrar, que apesar da lógica do mercado e do consumismo que impera no mundo inteiro, é possível sobreviver sem ser atingido pela ideologia do mercado.
Sobre os grandes projetos incentivados pelo governo e os falsos projetos de desenvolvimento sustentável contrapondo toda a prática tradicional e cultural dos povos indígenas, incentivando a pecuária, o plantio de café, a venda de madeira, garimpagem de minérios, aviários, ecoturismo, a construção de hidroelétricas. Esses projetos entram nas aldeias sem a devida preparação e condição de manutenção, ficando bem claro a não participação da comunidade na elaboração do projeto, bem como a compreensão política e social do mesmo.
Muitos são os desafios que sofrem os povos indígenas no estado de Rondônia: o agronegócio, o uso de agrotóxicos nas terras indígenas que fazem divisas com fazendas, barragens; rodovias, complexo de madeira, gasoduto, exploração de petróleo, as estradas mal conservadas. Os grandes projetos geram dependência e insegurança na área da auto-sustentação e incentiva a busca de projetos financeiros fora da comunidade. Por outro lado, a construção de barragens – hidroelétricas, que desvia os rios e seca os igarapés, repercute na subsistência e na sobrevivência física dos povos indígenas que direta ou indiretamente são atingidos.
A Campanha da Fraternidade deste ano, ajudará os cristãos e cristãs a olharem para estes modelos econômicos existentes, que desafiam a lógica do mercado capitalista e propõem uma economia baseada nas relações de reciprocidade e em plena harmonia com a natureza. Como fala o indígena Seatle, “a terra é nossa mãe, se a destruímos, estamos destruindo a nós mesmos”.
Porto Velho, 17 de fevereiro de 2010.
CIMI-RO