Governo Lula: desserviços sucessivos aos povos indígenas no Brasil
O governo Lula apagou as luzes de 2009 com o anúncio de mais uma peça autoritária referente aos povos indígenas do Brasil. O Decreto 7056/2009, que determinou a reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai), foi assinado no dia 28 de dezembro com a marca da absoluta inexistência de participação indígena na sua formulação. Um ato que, por si, desrespeitou profundamente os indígenas e a legislação vigente e que, em si, constitui-se em mais uma tentativa de desarticular o movimento indígena e indigenista no país.
Por não ter aberto e enfrentado prévia e democraticamente o debate sobre o tema, o governo potencializou e deu legitimidade à reação por parte de indígenas, que têm se mobilizado, em Brasília e noutras regiões do país, a fim de demonstrar descontentamento e contrariedade frente ao processo preparatório e ao próprio decreto que afeta diretamente suas vidas.
Frente a essa reação, não tendo a devida coragem de assumir publicamente a opção que fez pela não participação indígena no processo de preparação do decreto, o governo, ao divulgar a informação, por meio de diferentes fontes, segundo a qual a referida reestruturação teria sido debatida em reuniões da Comissão Nacional de Política Indígenista (CNPI), vem buscando dividir a responsabilidade do seu ato monocrático com os representantes indígenas e indigenistas participantes desta Comissão. Além disso, membros do governo, alguns destes antes identificados como defensores da causa indígena e popular no país, têm demonstrado grande esforço e insistência na proposição de reuniões de “negociação” em separado com as diferentes delegações indígenas que estão vindo protestar
Infelizmente, este não se constitui num fato isolado nestes últimos anos. Pelo contrário, está inserido num processo histórico marcado por grandes e recorrentes desserviços impostos pelo atual governo aos povos indígenas no país. Muitos desses fatos são emblemáticos e contribuem para corroborar essa afirmação. Citamos, na seqüência, a título de exemplificação, alguns deles.
Em outubro de 2007, o Ministério da Saúde editou a portaria 2656 que tratava das “responsabilidades na prestação da atenção à saúde dos povos indígenas”. Por não ter sido feito o devido processo de consulta e informação aos povos indígenas, a portaria gerou uma série de questionamentos que culminaram, posteriormente, com a suspensão dos seus efeitos, inclusive por indicação do Ministério Público Federal.
No dia 27 de maio de 2009, foi editado o decreto 6861 que “Dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, define sua organização em territórios etnoeducacionais, e dá outras providências”. Até hoje não se compreende o fato deste decreto ter sido assinado sem que os indígenas pudessem opinar sobre o teor do mesmo, uma vez que no referido período estavam sendo realizadas as Conferências Regionais de Educação Escolar Indígena, que culminaram com a Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, ocorrida em novembro do mesmo ano. O fato de o governo ter decretado a criação dos “territórios etnoeducacionais” antes de qualquer deliberação da Conferência Nacional atropelou o processo e gerou uma série de desentendimentos entre os delegados da mesma. Também naquela ocasião os representantes governamentais adotaram a estratégia da “negociação” em separado com diferentes delegações a fim de dividir os participantes na busca desesperada pela legitimação, a posteriori, do ato autoritário praticado anteriormente.
Ainda neste cenário, não podemos deixar de mencionar o fato de o governo ter imposto “goela abaixo” a transposição do rio São Francisco. Fez isso, inclusive, com o uso da força por meio da presença ostensiva do Exército nos canteiros de obras com a finalidade de amedrontar e “abafar” quaisquer novas tentativas de manifestações contrárias, por parte de movimentos populares e dos povos indígenas, que terão suas terras diretamente impactadas por mais essa obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Por fim, faz-se necessário lembrar o lastimável episódio em que o próprio presidente Lula, em discurso improvisado, taxou os povos indígenas como “entraves” ao desenvolvimento da nação e, com isso, em vez de combater, acabou potencializando o preconceito ainda existente em grande parcela da sociedade brasileira em relação a estes povos. Como sabemos, esse preconceito, além de ser uma violência em si, é causa de muitas outras violências que são cometidas cotidianamente contra indígenas no Brasil.
Entendo que os povos indígenas e suas lideranças, bem como, as organizações indígenas e entidades de apoio precisam estar permanentemente atentos a esses movimentos desmobilizadores e desarticuladores postos em prática pelo atual governo, a exemplo de outros passados. Isso se faz ainda mais necessário no atual contexto e num ano eleitoral. Todos somos cientes dos interesses de setores econômicos, tradicionais doadores de campanhas eleitorais, sobre os recursos naturais existentes nas terras dos povos indígenas em nosso país. Tudo o que o governo quer, nesse momento, é um movimento indígena e indigenista “rachado” entre si. Isso porque, dessa maneira, seus desserviços sobre os povos indígenas poderão ser impostos com maior freqüência e menor resistência. Belo Monte está na fila. Qual será o próximo? A exploração mineral em terras indígenas?
Brasília, 21 de janeiro de 2010.
Cleber C. Buzatto
Secretário Adjunto do Cimi