18/11/2009

Quem viver Verá

“Como no suspirar da vida morreram os professores Verá que mais uma vez nos fazem ver o quanto absurda é nossa sociedade e o quanto hipócritas e tiranos são nossos monopólios de comunicação e mídia, que ocupados em criminalizar os movimentos de lutas por direitos suprimidos, não divulgam notas, comentários ou mesmo denúncias, das atrocidades sofridas por Indígenas e despossuídos em geral”. (Por Thiago Rodrigues Carvalho – (10/11/09)

 

Mais uma semana angustiante se inicia na fronteira do Brasil com o Paraguai, na região de Paranhos. Um grande silêncio e mistério envolve o recente desaparecimento e morte dos dois professores Guarani, na retomada do tekohá Ypo’i. O corpo de um deles, Jenivaldo, segundo a polícia civil de Paranhos e os familiares, continua em Campo Grande. Tudo sob sete chaves, para não atrapalhar a investigação, segundo o superintendente da Polícia Federal em Naviraí. As buscas foram totalmente suspensas. A angústia dos familiares e da comunidade vai gerando um cenário de desesperança e descrédito. E as perguntas e dúvidas se multiplicam. Por que tanta demora em divulgar o resultado do exame de DNA do corpo encontrado? Por que suspender as buscas quando o mundo inteiro quer saber o que aconteceu com Rolindo?

 

Os crimes e a impunidade

Não são novidades os assassinatos e ocultamento de cadáveres nessas regiões da fronteira. Não é por acaso que Coronel Sapucaí, desta região, é o município mais violento do país. Mata-se de um lado e se enterra no outro, ou joga no rio. Numa dessas viagens pelas estradas que serpenteiam a fronteira, Silvio, me dizia “Aqui nessa curva, numa das viagens, encontramos cinco corpos…” Relatos de uma triste realidade que teima em se perpetuar na impunidade.

 

Os pais, parentes e amigos de Jenivaldo e Rolindo encaminharam ao Ministério Público Federal um clamoroso pedido de socorro. “Pedimos a vocês, autoridades, que pensem no nosso sofrimento, no fato que aconteceu, com a nossa família, que foi morto feito um animal, e jogado que outro não foi encontrado até hoje. A vida dele foi tirada com arma de fogo. ..E também sentimos muitos a falta dos nossos dois heróis que foram massacrados pelo fazendeiro que jamais veremos. Mas fiicará na memória ou como história para a nossa população. Por isso pedimos a vocês autoridades que compreendam e façam a justiça que cabe a vocês, conforme a lei, que é a punição dos autores desses atentados. Nós, a família da vitima, nós não sabemos como explicar a dor e sofrimento dos nossos filhos, que era o nosso futuro, que estavam frequentando a faculdade, se preparando para ajudar nossa população, que não imaginávamos que pudessem ser mortos feito animais, sem dó e sem pena. Por isso pedimos a vocês autoridades competentes, a justiça. ”JUSTIÇA!” A seguir, assinamos os parentes e família e amigos(Aldeia Pirajuí, 12/11/09)”

 

Entendemos que para haver uma investigação eficaz e ágil, o sigilo é um dos elementos importantes.  Porém não é o suficiente. É preciso determinação política, em esclarecer os fatos. O que os indígenas repetem em suas Assembléias é que gostariam de saber qual a razão de ter tantos índios presos (estima-se que sejam em torno de 200 no MS) e nenhum matador de índio esteja na cadeia no Mato Grosso do Sul. O que eles tem dificuldade de entender é que um inquérito de assassinato de Julite Lopes de 73 anos no Kurusu Ambá, tem um inquérito inconcluso depois de quase 3 anos, quando são notórios e reconhecidos os autores do brutal assassinos da nhãndesi ( líder religiosa).

 

Por isso apelamos para o Presidente da República, que tantas vezes se manifestou a favor da justiça e dos direitos humanos, para que convoque os poderes, em todos os âmbitos, para que a lei seja cumprida, que não meça esforços para investigar se Rolindo Verá está vivo ou morto, para punir os culpados pela morte de nossos patrícios, e principalmente, para que os grupos de trabalho instituídos pela FUNAI possam começar os estudos para a demarcação das terras indígenas, evitando mais mortes.

( Documento de Professores Indígenas do Mato Grosso do Sul)

 

Da região, dos amigos, chegam cartas carregadas de angústia e clamor “fico muito triste, pois vejo no rosto das mães, irmãos, primos, parentes e amigos a incerteza de que as autoridades estão realmente empenhadas no caso.


Quanto tempo faz que os Guarani Kaiowá esperam para retornar aos seus tekoha? até quando terão que esperar mais? clamem ao mundo por SOS que somente assim talvez encontraremos meios para desvendar este maldito crime.”(Maria da Silva, 12/11/09)

 

Conferência Nacional de Educação Indígena

Os professores Guarani Jenivaldo e Rolindo serão as vozes que falarão mais forte dentre os milhares de participantes indígenas e não indígenas, dessa primeira Conferência Nacional de Educação Indígena como testemunhos da luta pela terra e pela vida Guarani. O Sangue derramado não será em vão. Como disse recentemente a indígena Avelina “Poderão nos matar, mas sempre haverão de nascer crianças que continuarão a luta”.

 

Uma mensagem muito forte foi dada pelo movimento dos Professores Guarani Kaiowá que será divulgado  na Conferência. Nele descrevem: “Os  dois desapareceram. Não viverão nas terras que queriam viver, não vão mais fazer roça para alimentar seus filhos, não vão mais educar suas crianças, não vão mais dançar quaxiré, (ritual de festa Guarani) não vão fazer novas rezas, não vão ser tamõi ( avós). Não verão a lei se cumprir. Por que ela demorou muito, muito mais que a bala que tirou a vida deles.

 

Guarani é como uma flor que brota da terá e desabrocha perfumando a natureza. E às vezes desaparece deixando um aroma no ar. É como as aves que vêm e desaparecem. Mas o nosso sentimento e a lágrima que cai no chão fortalecem o nosso espírito e volta a brilhar em nosso meio.

 

Mas até quando vamos ver as flores pisadas, as aves mortas e o sangue derramado? Até quando vamos ter que esperar para poder entrar em nosso chão? Até quando continuaremos a ser expulsos, confinados, discriminados, assassinados? (Documento de Professores Indígenas do Mato Grosso do Sul para a Conferência de Educação Indígena)

 

Egon Heck

Fonte: Cimi MS
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