07/03/2023

Fórum de Educação Escolar Indígena de Carauari (AM) discute legislação, projetos de vida e processos de aprendizagem

Com o tema “A educação é um direito e tem que ser do nosso jeito”, o Fórum de Educação Escolar Indígena reuniu cerca de 50 representantes dos Povos Kanamari e Madija Kulina

Fórum de Educação Escolar Indígena de 2023, com o tema “A educação é um direito e tem que ser do nosso jeito”. Foto: Fábio Pereira/Cimi Tefé

Por Fábio Pereira, missionário do Cimi da equipe de Tefé

“A gente sabe que essa luta, por esse ensino de qualidade, não terminou. Ela continua, tanto para a estrutura da escola como para a contratação de pessoas ou para salários de professores”. Essa foi uma das constatações da professora indígena Nenekam Kanamari, participante do encontro do Fórum de Educação Escolar Indígena, que ocorreu de 3 a 5 de março na aldeia Taquara, na Terra Indígena Taquara, município de Carauari (AM).

O Fórum teve como tema “A educação é um direito e tem que ser do nosso jeito”, e contou com a participação de cerca de 50 pessoas, entre lideranças, tuxauas (caciques) e integrantes das aldeias Taquara, Matatibem e Bauana. O evento contou também com a presença de professores indígenas, não indígenas, do gestor da escola indígena da aldeia Taquara, do representante da Secretaria Municipal de Educação e da Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena do município.

O objetivo do encontro foi proporcionar formação política-jurídica aos povos Kanamari e Kulina. Assim, eles poderão identificar violações de direitos, e saber a quais instâncias podem recorrer na busca de soluções, com conhecimento, habilidades e mecanismos de articulações interna e externa, para o desenvolvimento de ações de defesa e garantia de seus direitos previstos na Política de Educação.

“A gente sabe que essa luta, por esse ensino de qualidade, não terminou”

O objetivo do encontro foi proporcionar formação política-jurídica aos povos Kanamari e Kulina. Foto: Fábio Pereira/Cimi Tefé

Durante os dias de atividades, os participantes fizeram uma análise da conjuntura das políticas de educação no Brasil, debateram sobre o histórico da educação escolar indígena nas aldeias do município, com seus desafios e conquistas, conversaram sobre a legislação e estrutura da Política de Educação para os povos indígenas, e a atuação da Coordenação de Educação Escolar Indígena.

Para o Coordenador de Educação Escolar Indígena do Município de Carauari, Professor Ahe Joabes Kanamari, da aldeia Taquara, o encontro é um momento importante para o conhecimento da legislação da educação escolar indígena. É um espaço de debates sobre os direitos e as necessidades, desafios e perspectivas da educação específica e diferenciada e, assim, poder atuar como agente público.

“A importância desse curso está em conhecermos quais são os nossos direitos, quais são as leis, os artigos que amparam a educação indígena. Em cima disso, enquanto Coordenação de Educação Escolar Indígena, ouvirmos as demandas e conhecermos os desafios e as propostas que os professores indígenas, pais, lideranças e participantes têm, para que, tendo em vista essas demandas, possamos ajudar a melhorar a educação em cada aldeia. Para termos um resultado bem melhor e uma educação de qualidade e diferenciada”, afirmou.

“A importância desse curso está em conhecermos quais são os nossos direitos”

Os participantes do Fórum fizeram uma análise da conjuntura das políticas de educação no Brasil. Foto: Fábio Pereira/Cimi Tefé

A atividade é uma das iniciativas prevista nas ações do Cimi Regional Norte I, desenvolvida pela equipe do Cimi localizada no médio rio Juruá, da Prelazia de Tefé, com o apoio da agência financiadora Málaga. O missionário dessa equipe, Raimundo Francisco, disse que a atividade foi preparada de forma articulada com as lideranças das aldeias para proporcionar um espaço formativo e de discussão com a participação de setores do poder público.

“Temos a perspectiva de ser um encontro que pode trazer um desejo de melhoria, de provocar nos participantes uma reflexão sobre o caminho percorrido, as conquistas e o que deve ser melhorado, num diálogo coletivo, político e em parceria com a sede do município, que é quem deve resguardar e efetivar esses direitos”.

As políticas de educação para os povos indígenas foram uma conquista histórica feita pelo movimento indígena e seus aliados. Essas lutas e ações políticas partem da organização social dos povos indígenas nas aldeias e de seus parceiros. A professora indígena e estudante do curso de Pedagogia do Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica na Universidade do Estado do Amazonas (PARFOR/UEA), Nenekam Kanamari, da Aldeia Taquara, relata o histórico de reinvindicação que seu povo fez para ter uma escola na aldeia e seus parentes terem direito de estudar.

“Não tínhamos escola na nossa aldeia, enfrentávamos lama e por isso fui para a cidade estudar. Somente em 2013 foi construída a escola na aldeia. O que nós temos hoje, conseguimos a partir das lutas que nós fizemos”, disse a professora, emocionada. “Meu choro é de alegria, de uma luta que meus avós, meus parentes fizeram. Os conhecimentos tradicionais deles nos ajudaram a construir e ter nossa escola e outros direitos. Por todo o esforço deles, hoje temos isso como resultado”.

“Meu choro é de alegria, de uma luta que meus avós, meus parentes fizeram”

Durante o Fórum, os participantes expuseram como querem a educação escolar indígena dentro das suas aldeias. Foto: Fábio Pereira/Cimi Tefé

O Fórum contou com a assessoria de Carla Cetina, da assessora jurídica do Cimi Regional Norte I, que mediou as palestras sobre as temáticas de legislação. A advogada fala da importância desses espaços formativos, pois “ajudam os povos indígenas a terem acesso a informações e, assim, promoverem incidência para o respeito à Educação Escolar Indígena diferenciada, por uma educação e uma escola do jeito que os indígenas Kulina e Kanamari realmente querem ter, onde exista valorização das suas culturas, respeito às tradições e formas de viver, e a seus próprios processos de aprendizagem”, defende.

Nos grupos de trabalhos e nas plenárias, os participantes expuseram seus anseios, suas dificuldades e perspectivas de como querem a educação escolar indígena dentro das suas aldeias. Manifestações que visam trazer resolutividade para os desafios ainda enfrentados.

Em documento final, os indígenas apresentaram as reivindicações à luz da legislação que rege a Educação Escolar Indígena como um projeto de vida para os povos Kanamari e Kulina.

1. Que a Coordenação Municipal de Educação Escolar Indígena seja fortalecida, garantindo autonomia, estrutura e demais condições necessárias para atuar nas aldeias;
2. Que seja elaborada, com a participação das aldeias, a matriz curricular indígena para escolas indígenas;
3. Fortalecer a participação das lideranças indígenas e moradores das aldeias nas discussões sobre a escolha de professores, gestores e coordenadores de Educação Escolar Indígena;
4. Discutir a criação de um projeto de lei municipal da categoria professor e escola indígena, e que esse seja aprovado pelo município;
5. Que o município possa garantir a formação continuada para professores indígenas em pós-graduação, mestrado e doutorado;
6. Que cada escola indígena do município de Carauari construa o Projeto Político Pedagógico Indígena (PPPI) com a participação dos moradores das aldeias em todo o seu processo.

Essas e outras demandas e propostas descritas no documento serão encaminhadas aos órgãos públicos encarregados de fazer cumprir as reivindicações.

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