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Povo Pataxó retoma territórios tradicionais no extremo sul da Bahia

Indígena do povo Pataxó na área de retomada dentro do território Comexatibá, próximo a Prado (BA). Foto: Povo Pataxó

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

A última semana ficou marcada por intensas mobilizações no Extremo Sul da Bahia. Nos dias 22 e 25 de junho, indígenas Pataxó decidiram retomar áreas em dois pontos diferentes: a primeira retomada foi dentro dos limites da demarcação da Terra Indígena (TI) Comexatibá (Cahy-Pequi), no município de Prado, na Bahia. Já a segunda, foi na TI Barra Velha do Monte Pascoal, entre Prado e Porto Seguro (BA).

Em nota, os indígenas explicaram que “as famílias Pataxó precisam da terra para sua sobrevivência. Para promover agricultura indígena, práticas religiosas e proteção dos recursos naturais ainda existentes”.

 

Retomada TI Comexatibá

No dia 22 de junho, cerca de 180 indígenas retomaram uma área reivindicada como de ocupação tradicional em uma parte do território Comexatibá (Cahy Pequi) – hoje tomada por empresas multinacionais de produção de celulose.

“Atualmente, empresas de celuloses exploram a área por meio da plantação de eucaliptos e isso traz sérios prejuízos ambientais para toda região, inclusive com desmatamentos e uso excessivo de agrotóxicos. Essas práticas vêm afetando os recursos hídricos ainda existentes na região”, afirmam, em nota, os Pataxó.

Por meio de vídeos, lideranças mostraram o momento em que a área foi retomada. “Hoje estamos aqui mostrando que quem tem o sagrado poder, é nós. Estamos expulsando as multinacionais, os milionários e trilionários daqui. Não vai ficar um pé de eucalipto em nossa terra sagrada, porque isso é mau. Queremos nossa água, terra de qualidade, nosso bioma recuperado. Não aceitamos essa vergonha, essa destruição”, afirma uma das lideranças.

“Não vai ficar um pé de eucalipto em nossa terra sagrada, porque isso é mau. Queremos nossa água, terra de qualidade, nosso bioma recuperado”

Plantação de eucalipto dentro de uma área de ocupação tradicional do povo Pataxó, em Comexatibá (BA). Foto Povo Pataxó

“Pedimos socorro às autoridades e à sociedade brasileira e internacional. Apoiem a causa indígena, que é verdadeira e legítima. Não aguentamos mais, essa terra é nossa carne, a água é nosso sangue e a floresta é nosso espírito. A celulose, a monocultura e agropecuária extensiva estão destruindo tudo”, completa.

“Essa terra é nossa carne, a água é nosso sangue e a floresta é nosso espírito”

Até o momento, a retomada está pacífica e os indígenas conseguiram chegar a um acordo com uma das empresas que atuam na região. O Ministério Público Federal (MPF) está acompanhando a situação.

De acordo com a advogada Lethicia Reis, da assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a TI Comexatibá é a que tem mais “contestações no Brasil”. “Ao todo, são 156 contestações analisadas. Os indígenas não só enfrentam empresas de produção de celulose, mas também empresários do setor hoteleiro. E, assim como em todo o país, esse território também está, atualmente, com o processo de demarcação travado”.

 

Retomada TI Barra Velha

Três dias depois da retomada no território Comexatibá – no dia 25 de junho –, outro grupo Pataxó, formado por cerca de 100 indígenas, retomou uma área localizada dentro da TI Barra Velha do Monte Pascoal. No entanto, na noite do dia seguinte, supostos fazendeiros e aliados expulsaram do local, a tiros de arma de fogo, os indígenas.

Cerca de 50 carros, com homens encapuzados e, até mesmo portando armas de fogo exclusivas da Polícia Militar, se deslocaram até o local da retomada para retirar – sem ordem judicial – os indígenas da área. Alguns deles se identificaram como policiais e seguranças de fazendeiros.

Em vídeos recebidos pelo Cimi, os homens se vangloriam por expulsar os Pataxó da área de retomada. Apesar de não haver feridos, os celulares de algumas lideranças foram levados pelos invasores durante a movimentação.

“Hoje, dia 26 de junho de 2022, está acontecendo uma coisa muito importante no Sul da Bahia. Estão juntando os agropecuaristas do Sul da Bahia, todos os proprietários rurais, para retirar da Fazenda Brasília os ‘falsos índios’. Estamos juntando todo mundo para fazer o que estão fazendo no Mato Grosso do Sul [semelhante ao que fizeram contra os Guarani Kaiowá]. Daqui para frente vai ser assim: invadiu uma propriedade, todo mundo vai cair para cima. Ninguém aguenta mais esse absurdo”, diz, em vídeo, um dos supostos fazendeiros.

“Daqui para frente vai ser assim: invadiu uma propriedade, todo mundo vai cair para cima”

Supostos fazendeiros e seus aliados formam uma fila de caminhonetes nas redondezas da retomada na TI Barra Velha do Monte Pascoal. Foto: Povo Pataxó

Em outro vídeo, um homem que passa de carro mostra uma fila de caminhonetes próxima ao local da retomada, no entorno do Parque Nacional Histórico do Monte Pascoal. “Olha aí galera, os fazendeiros se reunindo para ficar contra os índios. Só ‘dá’ eles. Estão querendo ir para a guerra”. Outra voz masculina, ao fundo da gravação, indaga: “viu ali os pistoleiros?”.

Segundo uma liderança – que, por segurança, não será identificada –, agora os supostos fazendeiros e seus aliados estão fazendo rondas nas estradas, a fim de impedir a circulação dos indígenas.

 

TI Barra Velha: demarcação emperrada

A Terra Indígena Barra Velha foi demarcada no município baiano na década de 1980 com 8.627 hectares. No entanto, grande parte do território de ocupação tradicional Pataxó ficou de fora desta demarcação e, com isso, surgiu também a preocupação com as futuras gerações da comunidade. Foi então que os indígenas se mobilizaram para garantir a revisão dos limites da área.

Em 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) publicou o novo relatório circunstanciado de identificação da área. A demarcação revisada recebeu o nome de TI Barra Velha do Monte Pascoal e corrigiu também os limites do território, que passou a possuir 52.748 hectares, os quais incluem a demarcação anterior.

Apesar da vitória dos Pataxó, um grupo de fazendeiros e o Sindicato Rural de Porto Seguro tentaram anular a demarcação na Justiça quatro anos depois, em 2013. Eles ingressaram com seis mandados de segurança no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), solicitando que a Corte impedisse a publicação da Portaria Declaratória da área pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública – etapa seguinte do processo demarcatório. No mesmo ano, o STJ atendeu de forma liminar ao pedido, barrando o andamento do processo administrativo do território Pataxó.

Mas, em 2019, depois de admitir os indígenas como parte do processo, a Primeira Seção do STJ derrubou a liminar, por unanimidade, e reconheceu, em decisão de mérito [1], a legitimidade e a validade da demarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal.

Para se opor ao reconhecimento do território Pataxó, os ruralistas se basearam na tese do marco temporal – sobre a qual o Supremo Tribunal Federal (STF) deve se posicionar, ainda neste ano, em um julgamento de repercussão geral [2] – e também em uma das condicionantes do caso Raposa Serra do Sol, que impede a “ampliação” de terras indígenas.

Mas uma reportagem publicada pelo Cimi [3], em agosto de 2020, mostrou que a demarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal ainda está “emperrada”. Em cinco das seis ações movidas contra a demarcação do território Pataxó, os fazendeiros recorreram ao STF, onde os recursos ainda tramitam. Por outro lado, a decisão do STJ derrubou qualquer impedimento para a publicação da Portaria Declaratória da terra indígena pelo Ministério da Justiça.