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Povo Karipuna processa União, Funai e estado de Rondônia por invasões e devastação da terra indígena

Invasores no interior da TI Karipuna, flagrados em fevereiro de 2019. Foto: Chico Batata/Greenpeace

Invasores no interior da TI Karipuna, flagrados em fevereiro de 2019. Foto: Chico Batata/Greenpeace

Por Assessoria de Comunicação do Cimi e do Greenpeace Brasil

Porto Velho (RO) – O povo Karipuna ingressou ontem (4) com uma ação na Justiça Federal de Rondônia para garantir a proteção da Terra Indígena (TI) Karipuna, constantemente ameaçada por madeireiros e grileiros. Quase extintos na década de 1970, quando tiveram contato com a sociedade não indígena, os Karipuna totalizam hoje uma população de 60 pessoas e vivem em uma situação de eminente genocídio, segundo o Ministério Público Federal (MPF) do estado.

Os pedidos feitos pelo povo Karipuna à Justiça direcionados à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai) vão no sentido de que efetivem, com urgência, a retirada dos invasores, a fiscalização e a vigilância da TI Karipuna, além da destruição de obras dos criminosos no interior da terra indígena, como poços, estradas, cercas e pastagens. Os indígenas demandam que essas ações sejam feitas em até 60 dias, sob pena de multa de R$ 5 mil por dia de descumprimento.

Os Karipuna também solicitam que União e Funai sejam condenadas a restabelecer a cobertura florestal das áreas indevidamente degradadas e a criar um sistema permanente de proteção para a TI, para impedir novas invasões e ações de degradação da terra demarcada.

Quanto ao estado de Rondônia, os indígenas solicitam o cancelamento e a retirada de todos os Cadastros Ambientais Rurais (CAR) incidentes sobre a TI Karipuna de sua base de dados, e pedem que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente seja impedida de efetuar novos registros com sobreposição à terra indígena.

Na ação, os indígenas ainda pedem que a União, a Funai e o estado de Rondônia sejam condenados a indenizar o povo por danos materiais e ambientais, tendo como referência o valor estimado pelo MPF para os danos causados à TI Karipuna, de R$ 22 milhões, e por danos morais, em valor a ser definido pela Justiça.

Nos últimos anos, a TI Karipuna, já demarcada, homologada e registrada, tem sido alvo da ação sistemática de invasores, que atuam no roubo de madeira e, inclusive, no loteamento ilegal da terra indígena, com a venda de “lotes” de terra para posseiros e o desmatamento de áreas com a intenção de estabelecer propriedades dentro do território tradicional.

A situação vem sendo denunciada, tanto no Brasil como no exterior, pelo povo Karipuna. E, apesar da pressão ter tido resultado, com a prisão de pessoas suspeitas de envolvimento no esquema de loteamento ilegal e a diminuição do desmatamento na área no ano passado, os invasores seguem destruindo o território do povo. Entre 2017 e 2020, foram devastados 3.646 hectares da TI Karipuna, que ocupa a triste posição de 9ª terra indígena mais desmatada na Amazônia.

“Há anos lutamos contra a destruição de nosso território. Agora, é hora do tribunal responsabilizar o Estado por não ter conseguido cumprir o que determina a Constituição e garantir a proteção de nossa casa, do nosso povo, para que possamos viver em paz, de acordo com nossos costumes e tradições”, reivindica Adriano Karipuna, liderança do povo.

Adriano é um dos autores da ação, junto com André Luiz Karipuna, cacique da TI Karipuna, e Eric One Karipuna Daveca, presidente da Associação do Povo Indígena Karipuna (Apoika). Na semana passada, Adriano Karipuna participou do Fórum Permanente da ONU sobre Assuntos Indígenas [1], onde denunciou, mais uma vez, a ameaça ao povo Karipuna causada pelas invasões ao seu território, intensificadas durante a pandemia de Covid-19.

“As invasões à Terra Indígena Karipuna são contínuas há anos. Além de roubar as riquezas naturais, como a madeira, os invasores tentam legitimar a posse da terra, mesmo que de forma ilegal e inconstitucional, com a grilagem. O povo Karipuna, como protagonista na luta em defesa de seus direitos, vem denunciando a situação desde 2017, e agora busca que a Justiça atenda seu apelo e proteja seu território”, afirma Laura Vicuña, do Cimi Regional Rondônia.

CAR: instrumento para a grilagem de terras

Obrigatório para todos os imóveis rurais e criado com o propósito de sistematizar as informações ambientais das propriedades rurais, o CAR é um registro autodeclaratório e não serve como prova de que a propriedade cadastrada existe e é legítima. Ele vem sendo utilizado em esquemas criminosos de grilagem de terras públicas na comercialização ilegal de lotes e até em disputas judiciais.

Uma análise do Greenpeace Brasil e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) identificou pelo menos 31 cadastros particulares sobrepostos à TI Karipuna. Eles foram registrados entre 2015 e 2019 e cobrem um total de 2,6 mil dos 153 mil hectares da terra indígena. Conforme a análise, 12 deles estão totalmente sobrepostos à área demarcada, e outros 19 incidem parcialmente sobre ela.

“A atribuição inicial do CAR é identificar os passivos ambientais em propriedades privadas. Não é possível que, após quase dez anos de sua elaboração, o Estado não tenha validado as informações que existem no sistema e ainda permita que essa ferramenta, dita ambiental, seja utilizada para validar grilagens e posses, muitas vezes violentas, em territórios indígenas e dos povos tradicionais”, critica Rômulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil.

Os governos estaduais recebem e validam as inscrições do CAR feitas pelos proprietários ou possuidores de imóveis rurais, e integram os cadastros do estado à base do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). O governo federal, por meio do Serviço Florestal Brasileiro, é responsável pela integração e gestão da base de dados nacional. No final de abril, o MPF recomendou ao estado de Rondônia que cancele todos os registros sobre a TI Karipuna.

Para mais informações:

Adi Spezia: [email protected] | + 55 61 99641-6256
Macarena Mairata: [email protected] | +55 92 9480-3580