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Com mobilizações pelo país, ministro da Saúde garante a indígenas que Sesai será mantida

Mobilização dos povos Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hãe contra a municipalização da saúde indígena, em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Mobilização dos povos Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hãe contra a municipalização da saúde indígena, em Brasília. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

Durante uma semana marcada por atos e mobilizações dos povos indígenas em todo o país, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, acabou sendo forçado a abrir um espaço em sua agenda para receber lideranças indígenas em Brasília, nesta quinta (28). Na reunião, Mandetta garantiu aos indígenas que vai, ao menos por enquanto, recuar da proposta de desmembrar a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e modificar o modelo de atendimento de saúde às comunidades indígenas.

A semana teve – e continua tendo – manifestações contra a proposta de municipalização da saúde indígena [1] em todas as regiões do país, com a participação de inúmeros povos e comunidades indígenas. Foram registrados pelo menos 30 atos em ao menos 18 estados brasileiros.

Após a reunião com as lideranças indígenas, que iniciou hoje pela manhã e foi até parte da tarde, o ministro Mandetta garantiu que “a Secretaria de Saúde Indígena deve permanecer” e que a proposta de fusão com uma nova secretaria seria abandonada pelo ministério.

“Como os índios acham que a Secretaria de Saúde Indígena deve permanecer, porque tem uma luta histórica, é simbólico, e porque ali se reforça a sua cultura e a sua identidade, nós vamos manter a secretaria de saúde indígena”, garantiu o ministro, em vídeo gravado ao lado de lideranças Kayapó.

“Ao mesmo tempo”, prossegue o ministro, “um grupo de trabalho discute como vamos conseguir melhorar, como vamos chegar na nossa conferência com esse assunto pacificado e olhando para a frente, na evolução do SUS e do sistema de saúde indígena”.

Mandetta ainda mencionou a intenção de “fiscalizar melhor os recursos da saúde indígena” e “reforçar as estruturas da saúde indígena”.

“A gente entende que tudo que ele disse foi por conta dessas mobilizações nas bases, todos esses protestos. Não temos garantia de que ele vai manter a posição. Por isso, temos que nos manter em estado de alerta, mobilizados”

Mais de 500 Kaingang mobilizaram-se na BR-386, divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Foto: Ivan Cima/Cimi Regional Sul

Mais de 500 Kaingang mobilizaram-se na BR-386, divisa entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Foto: Ivan Cima/Cimi Regional Sul

Para a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Sônia Guajajara, as mobilizações foram determinantes para que o ministro mudasse, ao menos no discurso, a sua posição.

“A gente entende que tudo que ele disse foi por conta dessas mobilizações nas bases, todos esses protestos. Até ontem, não tinha nada agendado com o ministro. Com a pressão da mobilização, conseguimos arrancar a reunião para hoje e, com ela, garantimos esse anúncio. Se está o Brasil inteiro parado, é porque a insatisfação é geral”, afirma Sônia.

Apesar da fala de Mandetta, a liderança também ressalta que não há garantias além da palavra do ministro, e que o movimento indígena deve se manter em alerta.

“A gente não tem garantia de que ele vai manter a posição, já que tem mudado sempre o seu discurso. Por isso, temos que nos manter em estado de alerta, mobilizados, porque esse vai ser um ano de luta. Teremos que seguir firmes fazendo esse enfrentamento”, avalia.

Prefeitura de São Paulo foi ocupada contra a municipalização da saúde indígena pelos Guarani da TI Jaraguá. Foto: Cimi regional Sul/equipe São Paulo

Sesai na mira

Desde o início de sua gestão, Mandetta – ex-deputado do Mato Grosso do Sul cuja atuação parlamentar foi caracterizada por posições contrárias aos povos indígenas e alinhadas aos ruralistas de seu estado – vinha defendendo a descentralização da saúde indígena, com repasse de do atendimento a municípios e estados, e o desmonte da Sesai, com sua possível fusão em uma secretaria mais ampla, voltada à “atenção básica e saúde indígena”.

Ainda ontem, durante audiência na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, Mandetta defendeu uma revisão [2] do modelo de saúde diferenciada e federalizada para comunidades indígenas fora da Amazônia – o que é rechaçado pelos povos indígenas.

“Em São Paulo, será que há necessidade da União [atuar] na nossa maior cidade? É essa a discussão que a gente tem que colocar”, afirmou o ministro durante a audiência.

Enquanto ele falava no Senado, os Guarani da Terra Indígena Jaraguá ocupavam a prefeitura de São Paulo [3] contra a municipalização da saúde indígena, denunciando as dificuldades que já enfrentam e expondo a fragilidade do argumento do ministro.

Segundo a coordenadora da Apib, durante a reunião, bastante “tensa”, Mandetta seguiu defendendo sua posição original, firmemente contraposta pelas lideranças indígenas presentes.

“O ministro insistiu na história de que se precisaria de um modelo diferenciado, mas todas as regiões foram firmes em afirmar que é preciso, sim, um sistema único, o que se precisa é aprimorar e melhorar esse atendimento”, relata Sônia Guajajara.

Outro ponto trazido pelo ministro foi a proposta de criação de um Grupo de Trabalho (GT), cujo funcionamento ainda será discutido, para avaliar as dificuldades e propor soluções para a saúde indígena. Os indígenas, por sua vez, reafirmaram a necessidade de respeito às suas instâncias de consulta.

“Nós falamos que isso tem que ser levado para a Conferência Nacional de Saúde Indígena, que é nosso fórum maior de consulta e deliberação”, destacou Sônia. Marcada para maio de 2019, a Conferência Nacional será o momento culminante de uma série de reuniões já realizadas em conferências locais e regionais em todo o país.

Para Kahu Pataxó, liderança indígena da Bahia que se encontra em Brasília junto com uma delegação dos povos Pataxó, Tupinambá e Pataxó Hã-Hã-Hãe, é importante manter a atenção e a mobilização.

“A fala do ministro é muito vazia. O que ele traz de concreto é essa proposta de um GT, que também não tem nada fechado. Vamos voltar para a base, conversar com as comunidades, e nos preparar para fazer um enfrentamento duro e resolver essa situação”, afirma o Pataxó.

Povos Guajajara e Pyhcop Citi Ji/Gavião manifestaram-se contra a municipalização da saúde indígena em Amarante (MA). Foto: Gilderlan Rodrigues/Cimi Maranhão

Povos Guajajara e Pyhcop Citi Ji/Gavião manifestaram-se contra a municipalização da saúde indígena em Amarante (MA). Foto: Gilderlan Rodrigues/Cimi Maranhão

Semana de mobilização

A proposta de repassar o atendimento de saúde dos povos indígenas a municípios ou estados gerou reação do movimento indígena. A proposição ocorre num momento em que indígenas também vêm denunciando cortes [4] no pagamento de funcionários que prestam serviços nas aldeias e em convênios, além de falta de medicamentos, transportes e vacinas.

A Apib, no início da semana, convocou os povos indígenas para uma mobilização nacional. Nos dois dias em que os manifestos tomaram o país, ao menos 51 povos protestaram em 30 locais, movimentando 18 estados e interditando 11 vias. Tanto em São Paulo quanto em Manaus [5] os indígenas ainda ocupam prédios públicos.

Na capital paulista, o povo Guarani que vive na TI Jaraguá ocupou a prefeitura. Já a capital amazonense teve a sede do Dsei ocupada por cerca de 300 pessoas. Em ambos os locais, as lideranças afirmaram que permaneceriam até ter uma solução para os atuais problemas enfrentados na saúde indígena.