- Cimi - https://cimi.org.br -

Com acordo em andamento e ausência da Funai, Tropa de Choque ataca retomada na TI Guyraroká

Por Assessoria de Comunicação – Cimi

A tiros de bala de borracha, a Tropa de Choque da Polícia Militar atacou no final da manhã desta segunda-feira (22) a retomada Guarani e Kaiowá da Fazenda Ipuitã, área sobreposta à Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó (MS). Se trata de mais um despejo ilegal, com uso de violência e com ao menos dois indígenas atingidos pelos disparos.

Com um acordo sendo encaminhado para a saída e retirada de pertences de funcionários da fazenda, os indígenas solicitaram a presença da Coordenação Regional da Funai de Dourados. O coordenador do órgão indigenista, Cris Tupan, chegou ao local após o incidente e, sem a intermediação Federal, a Tropa de Choque fez o despejo sem ordem judicial.

Os Guarani e Kaiowá realizaram a retomada neste domingo (21) para impedir a pulverização de veneno [1] sobre a comunidade e reivindicar a conclusão do procedimento demarcatório. Imediatamente os indígenas solicitaram a presença da Funai, mas não obtiveram resposta positiva. A Força Nacional de Segurança esteve no local, mas não interveio.

Conforme os indígenas, Tupan alegou que não havia estrutura para a ida à retomada e que, ademais, não enviaria servidores para áreas de conflito, entre outras justificativas. “Sem a Funai, a Tropa de Choque se aproveitou que a gente deixou entrar o caminhão para retirar os pertences dos funcionários da fazenda e veio com tudo”, relata Guarani e Kaiowá – o nome será omitido por motivo de segurança.

Tupan chegou na retomada quando o ataque da Tropa de Choque havia sido feito e os indígenas despejados. “Mesmo despejados, exigimos que não voltem a plantar soja na área. Pedimos que em 48 horas o dono da fazenda dê uma resposta quanto a isso porque não vamos mais aceitar pulverização de veneno aqui”, declara Guarani e Kaiowá.

“Sem a Funai, a Tropa de Choque veio com tudo”

Indígenas Guarani e Kaiowá na área retomada: pelotão da Tropa de Choque os despejou sem mandado judicial e com uso de violência. Foto: Aty Guasu/Divulgação

Aos indígenas e organizações indigenistas, Tupan escreveu por whatsapp que “conforme poderá ser assistido em vídeos enviados aqui a situação foi controlada. Todas as forças policiais foram retiradas do local. O MPI e a Funai estão mobilizados nesse momento para tratar a questão dos agrotóxico e fundiária em Dourados. A comunidade entrou em acordo com a Funai e retornaram para a área da Aldeia e vão aguardar as decisões da mesa de negociação (SIC)”.

Agrotóxicos: ataques químicos

Tramitam ações judiciais impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) solicitando apuração e providências sobre os responsáveis por pulverizações aéreas (aviões) e terrestres (tratores) de agrotóxicos sobre as aldeias. Casas e até a escola indígena são alvos constantes do que autoridades de direitos humanos entendem como “ataques químicos” [2].

Operações policiais confirmam a situação. Em uma delas, realizada no dia 1º de julho deste ano [3] pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Força Nacional, com apoio das Polícias Judiciária e Técnico-Científica, resultou na apreensão de 202 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai.

Os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos no interior de uma fazenda localizada em área declarada como Terra Indígena Guyraroká. Por sua vez, os Guarani e Kaiowá acumulam registros de vídeo [4] mostrando a pulverização sobre a aldeia.

“Os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos no interior de uma fazenda”

Aviões de fazendeiros, instalados em área dos Guarani Kaiowá, em Guyraroka, lançam agrotóxicos sobre plantações. Foto: comunidade Guyraroká

“Chamam a gente aqui de (capim-)amargoso, resistente ao veneno, que só se arranca com a enxada. Começou ontem o despejo (terça-feira, 29), às 15 horas, e continuou hoje (quarta-feira, 30), às 10 horas. O cheiro é insuportável, um horror. Infelizmente isso se normalizou só que diferente do amargoso, somos seres humanos”, disse Erileide Guarani Kaiowá em 30 de outubro de 2024 [4].

Em 2022, nas Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, Erileide denunciou o que a Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, considera como ataque químico. A indígena participou da Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo único e central do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é melhorar a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 países membros da ONU.

Em maio de 2019 [5], quatro crianças e dois adolescentes precisaram de atendimento médico após intoxicação provocada pelo contato com calcário e agrotóxicos utilizados em área da Fazenda Remanso, localizada a 50 metros da escola indígena. As crianças tinham um e dois anos; os adolescentes, 17 e 18 anos. Na ocasião, a comunidade também gravou imagens.

Dona Miguela, anciã do tekoha Guyraroka, durante visita da CIDH ao território, em 2018. Foto: Christian Braga/CIDH

Dona Miguela, anciã do tekoha Guyraroka, durante visita da CIDH ao território, em 2018. Foto: Christian Braga/CIDH

Situação do procedimento administrativo

O procedimento administrativo de demarcação da TI Guyraroká foi anulado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em 2011. A TI havia sido declarada pela Funai com 11.400 hectares. No entanto, os Guarani e Kaiowá ocupam apenas 50 hectares deste total. Estão cercados por fazendas e vivem em regime de confinamento, sem espaço para atividades de subsistência.

A defesa dos Guarani e Kaiowá, feita pela assessoria jurídica do Cimi, recorreu da decisão no STF, que admitiu o recurso. No caso da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), tramita uma medida cautelar tratando da questão do procedimento administrativo. A medida cautelar é como um socorro imediato. Os Guarani e Kaiowá reivindicam a admissibilidade do recurso jurídico pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“Estamos em um pequeno espaço, sem condições de plantar, sendo pulverizados por agrotóxicos e não há um encaminhamento de demarcar nosso território garantindo o que a Funai já declarou”, disse Erileide Guarani e Kaiowá.