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2º Seminário da Terra em Altamira (PA) debate sobre as falsas soluções propostas aos povos indígenas

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

Por Artur Dias, Ascom do Cimi Regional Norte 2

“Conhecemos a terra, os rios, os lagos, a medicina tradicional, os animais. Por isso, nem o governo, nem empresas, nem agronegócio, nem garimpo, nem madeireiro: ninguém vai nos derrubar!” A fala do cacique Kayapó, Kapran Poi, resumiu bem o espírito do 2º Seminário da Terra, realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Norte 2, entre os dias 16 a 18 de julho, no Centro de Formação Betânia, da Diocese do Xingu, em Altamira, Pará. O Centro entrou para a história do movimento indígena por ter concentrado as mobilizações contra os projetos da Usina Hidrelétrica Kararaô (atual Usina Hidrelétrica) e Belo Monte.

Cerca de 120 representantes dos povos indígenas Xipaia, Arara, Curuaia, Xikrin, Kararao, Juruna, Yudja Juruna, Arapium, Tapajó, Tupinambá, Munduruku, Kumaruara, Guarani (Pará), Suruí, Amanaie, Tembé, Kayapó, Karipuna (Amapá), Galibi Marworno, Karipuna (Rondônia), Ka’apor, Huni’kui, Kaingang, Guarani (Mato Grosso do Sul) e Pankararu participaram do Seminário. Junto com missionários do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) discutiram sobre os temas “Mudanças Climáticas e seus Impactos; Mercado de Carbono e as Falsas Soluções e Desafios para a COP 30”.

“Conhecemos a terra, os rios, os lagos, a medicina tradicional, os animais. Por isso, ninguém vai nos derrubar!”

A análise de conjuntura nacional sobre política indigenista foi apresentada pela secretária adjunta do Cimi, Ivanilda Torres Santos, demonstrando que os ataques aos direitos indígenas no âmbito dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) são fruto da influência do que se poderia chamar de “Quarto Poder”, exercido pelos grandes conglomerados financeiros que buscam minar a proteção aos territórios tradicionais para ter acesso às riquezas.

Uma das provas mais claras dessa influência foi a promulgação pelo Congresso Nacional da Lei 14.701/2023, do marco temporal, mesmo após o Supremo Tribunal Federal o ter declarado inconstitucional. Sob a justificativa de pacificar as disputas territoriais, o Ministro Gilmar Mendes, criar Câmara de Conciliação. O resultado, os processos de demarcação de terras indígenas estão paralisados.

“A região amazônica tem sido instrumentalizada para fins econômicos”

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

Amazônia em jogo: carbono e desinformação

A região amazônica tem sido instrumentalizada para fins econômicos. Lindomar Padilha, do Cimi Regional Amazônia Ocidental, denunciou como o grande capital se apropria do discurso de sustentabilidade para promover a exploração. O mercado de carbono, vendido como solução para desmatamento e queimadas é, na visão das lideranças, uma forma de mercantilizar a floresta, transformando-a em valor econômico para grandes empresas, enquanto os governos locais abrem caminho para madeireiras, mineradoras e monoculturas.

A criação da Amacro (iniciativa que visa integrar economicamente Amazonas, Acre e Rondônia) é um exemplo, carregando o nome de “sustentável”, mas reproduzindo velhas modalidades de exploração.

“O mercado de carbono, vendido como solução para desmatamento e queimadas é uma forma de mercantilizar a floresta”

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

 A força da resistência indígena

Apesar das adversidades, a resistência dos povos indígenas é inegável. Lindomar Padilha ressaltou que a presença crescente de indígenas nas universidades e o uso de novas tecnologias são ferramentas importantes. No entanto, a verdadeira força reside na espiritualidade e identidade, que servem como “cimento” para manter os povos unidos em torno de seus direitos e de uma visão de mundo que transcende a lógica do lucro. Para Lindomar, resistência é questionar o discurso de desenvolvimento vendido pelo capital, considerando que este não se coaduna com os modos de vida dos povos tradicionais.

 

 Crise climática: fogo, fome e falsas soluções

Tarcísio Feitosa, da Forest and Finance, detalhou os impactos da crise climática, que atinge desproporcionalmente as populações mais pobres. A queima de combustíveis e a devastação da floresta para pastagens liberam carbono, alterando o clima e causando eventos extremos como secas severas e chuvas intensas.

A drástica perda da produção de castanha em 2024, relatada por lideranças, é um exemplo direto de como as mudanças ambientais impactam diretamente a economia e o modo de vida indígena.

As Conferências das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), que deveriam ser fóruns de soluções, tornam-se cada vez mais dominadas por interesses mercadológicos, com forte lobby de petroleiras.

A solução para a crise climática, como apontado, é fundamentalmente política e cultural.

“Apesar das adversidades, a resistência dos povos indígenas é inegável”

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

 Povos Isolados: alvos vulneráveis

Guenter Francisco Loebens, da Equipe de Apoio aos Índios Isolados (Eapil-Cimi), trouxe a realidade dos povos isolados e ou de recente contato no Brasil, que sofrem com a violência e o contato forçado. “A escolha por viver isolado deve ser respeitada como um desejo de não ter projetos externos em seus territórios”, relata. Iniciativas de proteção florestal, muitas vezes lideradas pelos próprios povos indígenas, beneficiam diretamente esses grupos mais vulneráveis.

 

 O Mercado de Carbono: uma nova ameaça?

Um tema recorrente e motivo de grande preocupação foi o mercado de carbono. Lideranças como Ninawá Huni Kui (Acre) e cacique Virgílio Amanayé denunciaram a fraude envolvendo esses projetos. Embora prometam compensações pela preservação, os valores pagos às comunidades são ínfimos em comparação com o lucro das grandes empresas, que chegam a comercializar os créditos centenas de vezes mais caros.

A implementação desses programas, muitas vezes com cláusulas confidenciais e contratos de longa duração (até mil anos em alguns casos, como relatado ocorrer na Bolívia), pode limitar as atividades tradicionais de subsistência das comunidades e até mesmo exigir a remoção de populações de seus territórios.

O Fundo Amazônia foi citado como um exemplo da aplicação do dinheiro dos créditos de carbono, mas o questionamento permanece: para quem, de fato, o benefício?

“Um tema recorrente e motivo de grande preocupação foi o mercado de carbono”

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

 A voz dos protagonistas

As palavras das lideranças indígenas ecoaram a indignação e a determinação de seus povos.

Arukapé Suruí e Iayt Arara denunciaram a ineficiência da legislação e a falta de providências do governo para a desintrusão de invasores em suas terras, resultando em conflitos e destruição.

O cacique Kapranpoi Kayapó fez um apelo a União, convocando todos a defenderem os direitos indígenas no Congresso Nacional e a encararem a COP 30 como uma segunda invasão. Ele enfatizou a necessidade de uma Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que realmente defenda os povos indígenas, com pessoas que os conheçam de fato.

“As palavras das lideranças indígenas ecoaram a indignação e a determinação de seus povos”

Edmar Guarani expressou a gravidade do desequilíbrio do planeta e a incerteza do futuro para seus filhos e netos diante de rios secos, a falta de caça e peixe em seus territórios.

Léo Munduruku e Hileia Poxo Munduruku alertaram para a contaminação dos rios, do alimentos e da terra por mercúrio e agrotóxicos. Também a destruição de áreas por palmiteiros.

Itahu Kaapor ressaltou a importância da organização interna e do compartilhamento de experiências de luta contra as empresas de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal em países em Desenvolvimento (REDD), que continuam a assediar as comunidades.

“Estão destruindo e contaminando os rios, os alimentos e a terra por mercúrio e agrotóxicos”

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

O 2º Seminário da Terra em Altamira (PA) reuniu cerca de 120 pessoas. Foto: Cimi Regional Norte 2

Um desafio para o futuro

2º Seminário da Terra em Altamira (PA) evidencia que a luta dos povos indígenas vai além da defesa de seus territórios. É uma luta pela vida, pela cultura, pela espiritualidade e por um modelo de desenvolvimento que respeite a natureza e os saberes ancestrais. Lindomar Padilha lançou um desafio aos defensores dos créditos de carbono: “usar os recursos bilionários das COPs para demarcar de vez todos os territórios indígenas; acabar com a Lei 14.701; desintrusar todas as terras indígenas”. Somente a partir dessas condições, a discussão sobre a entrada do mercado de carbono nos territórios indígenas deveria ser aceita.

A sabedoria indígena, como pontuou Ninawá, é uma contribuição vital, mas a verdadeira solução para a crise atual exige uma mudança profunda na alma da sociedade, especialmente daqueles que detêm o poder político e econômico. A resistência dos povos indígenas não é apenas pela sua sobrevivência, mas pela sobrevivência do planeta.

Leia a carta fina do seminário aqui [1].