
Não basta explorar, não basta ganhar dinheiro, a “moda e o modo” é exterminar a vida. Foto: Fábio Bispo \ infoamazonia.org
Agora chegou a vez e a hora de tudo “arrombar”. Não basta explorar, não basta ganhar dinheiro, a “moda e o modo” é exterminar a vida, não só a humana, mas de todas as espécies, que aliás, sustentam e dão razão de ser a nossa existência.
Sem nenhum esforço do governo federal, ao menos em debater a temática da “regulação ambiental” e, pelo que se leu em matérias jornalísticas sobre esse Projeto de Lei 2159/2021, que, aliás, foi resgatado de outra proposição da era bolsonarista, quando foi tratada como “a mãe de todas as boiadas” – numa alusão ao dito “deixar a boiada passar”- agora, sob o governo Lula, a sua aprovação acabou sendo costurada entre Rui Costa, Ministro Chefe da Casa Civil e Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal, conforme destacado por José Roberto de Toledo e Thais Bilenky [2] em coluna publicada no portal UOL. Aprová-lo, no dia 21 de maio de 2025, tornou-se fácil. Somaram-se 54 votos a favor e 13 contra, dando validade ao que pretendem tratar como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (LGLA).
O Projeto de Lei 2159/2021 [3] tem passado pelo ambiente legislativo sem nenhum debate aprofundado, sem envolver a sociedade e, ao menos, os ambientalistas. Ele estabelece regras gerais e diretrizes sobre o licenciamento ambiental, para facilitar a viabilidade dos projetos que podem causar impactos irreversíveis à natureza e às comunidades que vivem nela, especialmente indígenas, quilombolas, pescadores e pescadoras, ribeirinhos e quebradeiras de coco.
O texto, vindo da Câmara dos Deputados, foi aprovado pelo Senado com pequenas alterações, mas nada que amenize ou impeça a degradação desmedida da natureza, cruelmente vilipendiada. Por conta das mudanças, o projeto voltará à Câmara dos Deputados, onde será reapreciado, mas como as proposições não alteram a essência do que se pretende com a “nova lei”, há forte tendência de que seja aprovado, sem que o governo federal esboce qualquer contestação.
As reações, em oposição ao projeto da devastação, ocorrem através de manifestações da Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva [4]. Ela, no entanto, está inserida num governo que lhe nega apoio e respaldo. Por mais respeito que ela mereça, sabe-se que não tem força política diante das proposições que impõem os retrocessos ambientais. Apesar de seus posicionamentos contrários ao projeto e a outras medidas – como a da exploração de petróleo na Foz do Amazonas -, as pressões do Presidente da República [5], inclusive sobre o Ibama, são incisivas e encorajam os setores do agronegócio, das petrolíferas e mineradoras a agirem livremente por dentro e fora do governo.
Portanto, o projeto, em sendo aprovado como está, possibilitará, entre outras coisas, a dispensa de licenciamento ambiental e empreendimentos econômicos poderão ser implementados através do que vem sendo denominado de “Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). O que se dará pela obtenção de uma autorização digital e automática, mediante apresentação de mero Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE).
Conforme a proposta legislativa, o RCE não seria objeto de análise, nem de aprovação, a não ser quando a autoridade licenciadora utilizar de sua faculdade – por amostragem – de apreciá-lo. Na prática, trata-se de um autolicenciamento, ou seja, o próprio interessado concede a própria licença.
O projeto desconsidera os direitos indígenas, de modo afrontoso retira deles a possibilidade de se manifestarem acerca daquilo que os impactará. Pelo projeto, somente serão considerados, para fins de consulta livre, prévia e informada, aqueles povos e comunidades que estiverem vivendo sobre terras regularizadas e/ou homologadas e, no caso dos quilombolas, os que possuem terras tituladas. Portanto, mais de 60% dos territórios indígenas e mais de 80% dos quilombolas estarão fora do alcance da proteção legislativa, constitucional e da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2004.
Outro ponto preocupante é o fato de o texto enfraquecer o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), atribuindo a competência normativa de regulamentar ao que chama de “autoridade licenciadora”, assim considerados os entes de que trata a LC 140/2011, a saber: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Onir de Araújo, advogado e militante da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, ao analisar o projeto de lei, é enfático ao afirmar: “o lobby do rentismo, do agronegócio, da mineração e um Governo de Coalizão com os herdeiros da tradição colonial escravocrata, está sendo eficaz e agora avança para a Câmara Federal, onde tende a se consolidar para desgraça da maioria da população brasileira e o futuro das próximas gerações. A flexibilização dos contrapesos legais ao licenciamento desses projetos atende diretamente aos interesses do Império e os da elite perdulária, violenta e parasitária, sócia minoritária do mesmo na exploração e destruição de nossas riquezas, super exploração de nosso trabalho, destruição do meio ambiente e genocídio e extermínio dos povos que os mantém. Um projeto de lei que impactará diretamente aos mesmos e em total afronta ao Direito de Consulta previsto na Convenção 169 da OIT. Outro ponto polêmico envolve minorias. A nova lei afirma que somente terras indígenas homologadas e territórios quilombolas titulados (oficializados) devem ser considerados na análise ambiental”.
A contundente crítica de Onir, nesse contexto em que se discute e se planeja a COP30, remete-nos ao cenário de que os setores oligárquicos – que inclusive bancam os custos financeiros deste megaevento – requerem do país a liberalização legislativa – livre e indiscriminada pelo território nacional – visando a exploração dos recursos minerais e ambientais, sem contenções. E coube a um parlamentar da região amazônica, hoje sentado na cadeira de presidente do Congresso Nacional, liderar a aprovação do projeto de lei da destruição do bioma mais importante do mundo. Coube a um líder “progressista”, que subiu a rampa do Palácio do Planalto de mãos dadas com os mais empobrecidos, agir de forma frouxa, pra não dizer articulada, com as bancadas mais retrógradas do parlamento brasileiro – evangélica, agrária, agrícola e das grandes corporações minerárias.
Ainda há tempo – se os movimentos sociais, os setores ambientalistas, as organizações populares se reorganizarem – de impedir que o PL 2.159/2024 prossiga e se torne lei. E mesmo que a insanidade prevaleça, ainda haverá luz no final do túnel, pleiteando sua inconstitucionalidade no Poder Judiciário. Todavia, lá, as ferramentas precisam estar bem afiadas ao enfrentamento jurídico e político.
Os Povos Indígenas, as comunidades Quilombolas, ainda podem formar uma grande rede de oposição e denúncia a ” mãe de todas as boiadas”, constituindo, a partir das lutas de base, de suas forças regionais e nacionais, alianças em defesa da Mãe Terra, contra a insanidade das oligarquias escravocratas, que ainda se adonam da natureza e dos corpos humanos.
Que Tupã, os Orixás, as ancestralidades todas guiem-nos, ou tenham piedade de nós!
Porto Alegre (RS), 24 de maio de 2025.
Cimi Regional Sul – Equipes Porto Alegre e Norte RS