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Em nota, CNDH se opõe à Mesa de Conciliação e propostas de lei que tentam negociar direitos indígenas

Ato Munduruku, Guarani e Kaiowá em frente ao STF, contra Mesa de Conciliação e Lei 14.701/2023 | 15/04/2025. Foto: Tiago Miotto/ Cimi

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) publicou hoje (25) uma nota aprovada no dia 8 de abril, se opondo às propostas de mudança legislativa debatidas na Mesa de Conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Mesa, que trata das ações que questionam a constitucionalidade da Lei 14.701, mais conhecida como Lei do Marco Temporal, foi criada em abril do ano passado, e é conduzida pelo ministro da Suprema Corte e relator das ações, Gilmar Mendes.

Mesmo sem a participação dos povos indígenas [1], o ministro tem mantido os debates na Mesa, que tenta aprovar uma proposta de lei que fragiliza os direitos indígenas. Em decisão dada hoje (25), Gilmar Mendes adiou [2] pela terceira vez as discussões conciliatórias, que devem seguir até o dia 25 de junho.

“As propostas até então discutidas na mesa de negociação carregam vícios, riscos de potenciais prejuízos irreversíveis, a exemplo da mineração e cooperação com não indígenas para exploração econômica dos territórios; o processo administrativo de demarcação ganha novas fases, onerando a Funai e tornando o procedimento demarcatório ainda mais moroso do que já é”, afirma um trecho da nota.

Para o CNDH, “esta Mesa de Conciliação sequer deveria ter sido permitida e instalada no âmbito da Corte Suprema, pois não há que conciliar o inconciliável no que se refere aos direitos originários e inalienáveis dos povos indígenas”, considera.

O Conselho destaca ainda a importância de a Suprema Corte julgar os embargos de declaração [3] do Tema 1031, que ainda carecem de definição sobre os pontos referentes a indenização a ocupantes não indígenas em terras originárias.

“Reclama-se, pois, o que é urgente: o imediato julgamento dos embargos de declaração no Tema 1031, pelo STF, sobre pontos como indenização a não indígenas impactados pela demarcação e o seu possível direito de retenção, no que se inclui, ainda que pasmemos, a possibilidade de indenização a invasores, grileiros e criminosos que se utilizam e se utilizaram das terras indígenas para os mais variados ilícitos, a exemplo dos crimes ambientais e degradação de territórios de ocupação tradicional. Ao mesmo tempo, não há previsão de indenização dos indígenas e povos que foram expulsos, espoliados e mortos no processo de esbulho territorial”, consideram.

 

Leia abaixo nota na íntegra:

NOTA CNDH Nº 25/2025

SOBRE AS PROPOSTAS LEGISLATIVAS APRESENTADAS NO ÂMBITO DA MESA DE NEGOCIAÇÃO DO STF SOBRE A LEI DO MARCO TEMPORAL

 

O Conselho Nacional de Direitos Humanos – CNDH, no uso das atribuições que lhe fora conferidas pelo art. 4º da Lei 12.986, de 02 de junho de 2014, na promoção e a defesa dos direitos humanos, ante acontecimentos e fatos recentes, manifesta sua inteira oposição às propostas de mudança legislativa, levadas à mesa de conciliação instaurada no âmbito das aç de controle de constitucionalidade da Lei 14.701/2023. A bem dizer, esta mesa de “conciliação sequer deveria ter sido permitida e instalada no âmbito da Corte Suprema, pois não há que conciliar o inconciliável no que se refere aos direitos originários e inalienáveis dos povos indígenas. O sentido único desse intento judiciário, que assim se diga e fique posto, é buscar meios e formas de tangenciar as cláusulas pétreas constitucionais insertas nos arts. 231 e 232 Constituição Federal, visando, assim, malbaratar os princípios – e direitos – garantes dos povo indígenas do Brasil.

Evidente, reafirma-se, a presunção de inconstitucionalidade da Lei 14.701/2023, promulgada a a declaração, pelo STF, da inviabilidade jurídica da tese do marco temporal no Tema 1031. Nã há como se ater a subterfúgios, como “negociações” de outros contorcionismos judiciais ou legislativos, ante o fixado no Tema apontado.

É intolerável que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário sigam violando a norma supral (Convenção 169, OIT) quanto à consulta prévia, livre, informada e de boa – fé dos povos indígenas, como desnuda o quadro enfrentado nessa seara legal – judiciária. Esse deambular quanto à aplicação em concreto da norma convencional internalizada é inadmissível, afrontoso desrespeitoso aos povos originários.

Reclama-se, pois, o que é urgente: o imediato julgamento dos embargos de declaração Tema 1031, pelo STF, sobre pontos como indenização a não indígenas impactados pela demarcação e o seu possível direito de retenção, no que se inclui, ainda que pasmemos, a possibilidade de indenização a invasores, grileiros e criminosos que se utilizam e se utilizaram terras indígenas para os mais variados ilícitos, a exemplo dos crimes ambientais e degradação territórios de ocupação tradicional. Ao mesmo tempo, não há previsão de indenização dos indígenas e povos que foram expulsos, espoliados e mortos no processo de esbulho territorial.

As propostas até então discutidas na mesa de negociação carregam vícios, riscos de potenciais prejuízos irreversíveis, a exemplo da mineração e cooperação com não indígenas p exploração econômica dos territórios; o processo administrativo de demarcação ganha novas fases, onerando a FUNAI e tornando o procedimento demarcatório ainda mais moroso do que é; exigências extravagantes em relação aos antropólogos e os demais profissionais que comp os GTs (Grupos de Trabalho), responsáveis pelos RCID (Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação). É o desalinho do Direito Convencional e Constitucional garantista dos indígenas, a gosto do latifúndio, da mineração, do agronegócio e suas teias nacionais e internacionais.

Deve-se respeitar os limites postos no julgamento do Tema 1031: a Corte permitiu, ainda que parte da temática esteja sob o crivo do julgamento dos embargos de declaração, a indenização por evento danoso a particulares, quando da titulação de áreas indígenas, e validando apenas o ato jurídico perfeito e a coisa julgada quando o título ou a posse decorrere de comprovada boa-fé, mas nunca a indenização pela terra nua, o que é expressamente veda pelo 6§, do art. 231.

O Brasil vive hoje um acirramento dos conflitos envolvendo povos indígenas e decorrent aumento de violações de direitos humanos. A mesa de negociações impostas pelo STF vem colaborando negativamente para este cenário, de modo que não há outra alternativa a não ser recomendar sua dissolução, e que nenhuma proposta advinda desse cenário de violações seja aprovada ou homologada pelo Pleno da Corte.

O que urge, fundamental, social e humanisticamente necessário, é a retomada e continuidade dos processos demarcatórios, com toda a garantia e proteção aos povos indígen Há vidas em jogo, várias delas perdidas nos últimos anos e meses na esteira de devaneios e contorcionismos que, assim o sabemos, postergam e burlam os inalienáveis direitos dos povos indígenas.

Omissões e ações fugidias não se coadunam com o verdadeiro Estado Democrático de Direito, no que diz aos povos originários. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos é peremptório na afirmação do mais estrito cumprimento daquilo que de fato serve à causa indígena.

 

Brasília, 8 de abril de 2025

 

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS