- Cimi - https://cimi.org.br -

Cimi repudia acusações falsas e difamatórias proferidas por deputados do Mato Grosso do Sul

Conselho Indigenista Missionário - Cimi

O Conselho Indigenista Missionário – Cimi manifesta seu repúdio e indignação em relação às acusações falsas e difamatórias proferidas pelos deputados Coronel David (PL/MS) e Zeca do PT (PT/MS), em sessão realizada na manhã da última quinta-feira (4) na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), e posteriormente difundidas pela mídia.

Desde a tribuna, o Coronel David apresentou documentos fiscais que foram retirados de seu contexto com objetivo de responsabilizar o Cimi. Os documentos teriam sido entregues a ele pelo próprio Secretário de Segurança do Estado e seriam partes integrantes de um inquérito ainda sem desfecho e que tramita em caráter sigiloso. Sem apresentar mais detalhes, o Coronel cria um nexo entre estes documentos e o financiamento de transportes para realizar o que qualificou como ‘’invasão de fazenda’’ localizada no município de Rio Brilhante, no Mato Grosso do Sul.

A fazenda citada pelos deputados está localizada dentro do território indígena de Laranjeira Nhanderu, reivindicado pelos povos Guarani e Kaiowá há muitas décadas e que aguarda conclusão do procedimento administrativo de demarcação, iniciado em 2007 por força de TAC/CAC (Termo de Ajustamento de Conduta/Compromisso de Ajustamento de Conduta), proposto pelo Ministério Público Federal (MPF).

Pouco mais de um ano atrás, políticos do estado do MS e da cidade de Rio Brilhante anunciaram a criação de um assentamento localizado exatamente dentro da referida fazenda, que seria vendida, sobretudo, por valor bem acima do mercado. Cientes da estratégia, os indígenas se revoltaram com a ação ilegal, uma vez que o assentamento seria implementado dentro de território indígena em estudo, prejudicando o processo de demarcação.

No dia 3 de março de 2023, indígenas do povo Kaiowá de Laranjeira Nhanderu resolveram realizar uma retomada deste território [1] que teve como protagonistas algumas crianças e cerca de 10 pessoas adultas, mais da metade anciões. Em 2022, numa primeira tentativa de retomada, a comunidade já tinha sido duramente reprimida por unidades da Polícia Militar (PM) [2], que agiram por ordem do Secretário de Segurança do Estado, sem respaldo legal, na defesa explícita do privado. Esta praxe posteriormente se tornou uma constante e trouxe resultados catastróficos, como ficou explícito no Massacre de Guapoy em junho de 2022, onde o indígena Kaiowá Victor foi assassinado [3] e dezenas de indígenas ficaram feridos. Agora, em março de 2023, novamente os indígenas sofreram uma ação ilegal de despejo por parte da PM [4]. Anciões foram atingidos com balas de borracha e três indígenas foram presos. Por falta de materialidade nas acusações, os indígenas foram soltos no dia seguinte, após acompanhamento da Defensoria do Estado no caso.

É importante registrar que somente após a retomada, no dia 5 de março, ocorreram as referidas viagens utilizadas politicamente pelos parlamentares para criminalizar o Cimi. Pagas de forma transparente, o deslocamento foi na verdade a realização de uma Assembleia da Aty Guasu [5] – a Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá -, que contou com a presença e participação de diversas entidades públicas, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública do Estado e a Defensoria Pública da União. Qualquer uma das entidades pode atestar este fato. Na presença dos órgãos, a Aty Guasu encaminhou denúncias graves, como por exemplo o fato de a Funai ter sido proibida pelos policiais de acessar a comunidade indígena, onde justamente tentava intermediar um desfecho pacífico. Isso se deu antes do abrir fogo dos policiais contra idosos e crianças.

É extremamente constrangedor notar que no Mato Grosso do Sul interesses econômicos ligados ao agronegócio podem aproximar ideologicamente um deputado do PT, partido historicamente aliado da causa indígena, e um parlamentar do PL, inimigo declarado da mesma. Em ato contínuo à fala de David, o deputado Zeca do PT, à revelia do compromisso histórico do partido com a causa indígena, congratulou o Coronel e contribuiu, infelizmente, com a deslegitimação do povo Kaiowá e suas lutas legítimas e com a criminalização de apoiadores do movimento indígena, fazendo defesa ideológica do agro.

É doloroso e absolutamente inaceitável que por meio de argumentação extremamente racista – ideia da incapacidade dos indígenas em traçar suas próprias estratégias e de protagonizar a luta por seus direitos – o ruralismo esteja objetivando uma vez mais atingir o Cimi. Foi assim em 2015, quando agro-deputados, encabeçados por Mara Caseiro e Paulo Correia, causaram um grave dispêndio de recursos públicos mal gastos com um número excessivo de assessores e advogados, durante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) arranjada contra o Cimi. Sem nenhuma materialidade, a CPI foi arquivada pelo MPF e MPE [6], além de ter sido sepultada pela Justiça Federal de primeira instância do estado [7] e confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) quanto à nulidade [8], até mesmo de seu ato de instalação, explicitamente político. Consequentemente, todas as acusações viraram pó.

Este novo ataque contra os povos indígenas e seus aliados não é um fato isolado restrito ao estado de Mato Grosso do Sul. A mudança no contexto político do país e a leve retomada dos processos administrativos de demarcação e homologação das terras indígenas, além do retorno do julgamento sobre o marco temporal marcado para o mês de junho deste ano pelo Supremo Tribunal Federal (STF), despertou no seio do ruralismo e em seus representantes no Congresso Nacional uma ofensiva violenta que pretende criminalizar a legítima luta dos povos indígenas por seus territórios e a histórica solidariedade de entidades indigenistas, bem como outras lutas populares. A anunciada “CPI do MST”, movimento amplamente reconhecido e fundamental na discussão pela democratização do acesso à terra, é também um dos sinais da evidente perseguição e criminalização das lutas populares por parte dos setores que sempre defenderam privilégios particulares.

O Cimi tem consciência que as tentativas de criminalização contra nossa entidade nunca cessarão. Esta não foi a primeira e não será a última. Ao longo de nossos 51 anos, sempre que o direito indígena avançou, junto aos povos, lado a lado fomos também atacados e criminalizados. É parte de nossa caminhada evangélica, a exemplo do Mestre Jesus de Nazaré, sofrer o que sofrem os povos. Mas não sofreremos calados! Denunciaremos cada açoite, buscaremos as medidas cabíveis para cada ato difamatório e seguiremos transformando os ataques em mais força e compromisso até que todos os territórios indígenas estejam demarcados e os povos vivam com a tão sonhada dignidade. Como diz o apóstolo Paulo, “Somos oprimidos, mas não imobilizados, perplexos, mas não desesperados, perseguidos, mas não abandonados, derrubados, mas não destruídos...” (2 Cor 4,8-9).

Brasília/DF, 8 de maio de 2013.

Conselho Indigenista Missionário – Cimi