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À ONU, líder Yanomami denuncia invasão do garimpo, estupro, doenças e a morte de 570 crianças indígenas

Por Adi Spezia, da Assessoria de Comunicação do Cimi

Representando mais de 30 mil indígenas dos povos Yanomami e Ye’kwana, Dário Kopenawa Yanomami denunciou a invasão do garimpo, estrupo, doenças e a morte de 570 crianças indígenas nos últimos quatro anos durante o “Debate Geral” que busca acompanhar e implementar a Declaração e Programa de Ação de Viena, realizado nesta quarta-feira (29).

“A invasão do garimpo ilegal dentro da Terra [Indígena] Yanomami se intensificou durante o governo Bolsonaro”, denunciou Dário, atual vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY) [1]. O evento faz parte do faz parte do 52º período ordinário de sessões do Conselho de Direitos Humanos (CDH 52) [2] da Organização das Nações Unidas (ONU), que está sendo realizado em Genebra, na Suíça.

“A invasão do garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Yanomami se intensificou durante o governo Bolsonaro”

A atividade ilegal do garimpo avançou de forma acelerada nos últimos quatro anos na TI Yanomami, levando desmatamento, doenças e morte, impulsionados pelo aumento do preço do ouro no mercado internacional e o apoio do governo Bolsonaro à exploração da mineração em terras indígenas.

Além disso, o garimpo no Brasil foi “facilitado por medidas administrativas e decisões políticas do governo Bolsonaro” e é responsável por graves e massivas violações aos direitos humanos dos povos indígenas, “em especial dos Kayapó, Munduruku e Yanomami, como o direito à vida, ao território, à autodeterminação, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à segurança alimentar e nutricional, à saúde e muitos outros, aponta o dossiê Terra Rasgada: como avança o garimpo na Amazônia brasileira [3].

“O governo Bolsonaro é responsável por graves e massivas violações aos direitos humanos dos povos indígenas”

Foto: Hutukara Associação Yanomami

Foto: Hutukara Associação Yanomami

Não diferente, os dados do MapBiomas [4], em 2020, apontam que 9,3% de toda atividade de garimpo no Brasil ocorreu dentro de áreas indígenas, entre as mais afetadas estão as TI Kayapó e Munduruku – no Pará, e a Yanomami, em Roraima.

Já o relatório “Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo [5]” revelou que, em 2021, o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. No ano anterior, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao mesmo período de 2019. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara.

“De 2016 a 2020, o garimpo na TIY cresceu 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara”

O estudo ainda aborda o número de comunidades afetadas diretamente pelo garimpo ilegal, uma somatória de 273, abrangendo mais de 16.000 pessoas, ou seja, 56% da população total da área. Existem mais de 350 comunidades indígenas na Terra Indígena, com uma população de aproximadamente 29 mil pessoas, aponta a HAY no relatório.

O garimpo, com a extração de ouro e cassiterita no território Yanomami, foi um dos fatores determinantes para uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com sérias consequências para a saúde e economia das famílias, e um crescimento assustador da violência contra os indígenas. Como denunciou Dário à ONU, “muitas doenças como malária, pneumonia, verminoses e desnutrição, além de violência contra mulheres e crianças, assédio sexual e estupro”.

“Muitas doenças como malária, pneumonia, verminoses e desnutrição, além de violência, assédio sexual e estupro”

Canteiro de garimpo em Homoxi Foto: Reprodução/Relatório Yanomami sob Ataque/Isa/Hutukara

O avanço do garimpo, somado ao acirramento da pandemia da Covid-19 e o desmonte do sistema de atendimento à saúde dos povos, por meio do Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana e da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai), levou ao aumento da violência, piorou os indicadores de saúde relativos à malária, à desnutrição, à verminose ou a doenças respiratórias, levando a morte de anciões e crianças, principalmente.

Segundo o líder Yanomami, “o presidente Lula decretou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional, após a morte de 570 crianças Yanomami”. Crianças estas com menos de 5 anos, mortas no território Yanomami pelo que as estatísticas chamam de “mortes evitáveis”, o que levou ao Estado de Emergência.

“O presidente Lula decretou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional, após a morte de 570 crianças Yanomami”

A prioridade, entre as medidas emergenciais, deve ser salvar vidas. Em seguida, deverão ser direcionadas a recuperação das condições para o atendimento primário, prevenção e cuidado cotidiano da saúde dos povos Yanomami e Ye’kwana.

Em entrevista, Dário Kopenawa ainda lembra que os ataques aos povos da TI Yanomami ocorrem desde a década de 1980, com a invasão de mais de 40 mil garimpeiros. “O que se vê em 2023 é a história se repetindo, o que é muito grave”, reforçou.

“Pedimos apoio internacional para ajudar o governo brasileiro a chegar urgentemente às aldeias mais distantes e para a retirada urgente do garimpo da Terra Yanomami”, apelou o vice-presidente da Hutukara Dário Kopenawa Yanomami.

“Pedimos apoio internacional para ajudar o governo brasileiro a retirada urgente do garimpo da Terra Indígena Yanomami”

Assembleia Hutukara, em maio de 2022. Memória e celebração dos 30 anos de homologação da Terra Indígena Yanomami. Foto: Corrado Dalmonego/Cimi Regional Norte I

Sobre a Declaração e Programa de Ação de Viena

Declaração e Programa de Ação de Viena (1993) [6] é fruto da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em junho de 1993, em Viena. No documento, a comunidade internacional reconhece e afirma o compromisso de garantir aos povos indígenas os direitos humanos e liberdades fundamentais e respeitar suas culturas e identidades.

Na Declaração, que neste ano completa 30 anos, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece a dignidade e a contribuição dos povos indígenas para o desenvolvimento e o pluralismo da sociedade e reafirma o empenho da comunidade internacional no seu bem-estar econômico, social e cultural e no seu gozo dos frutos do desenvolvimento sustentável.

“A comunidade internacional reconhece e afirma o compromisso de garantir aos povos indígenas os direitos humanos”

“Os Estados deverão garantir a participação plena e livre dos povos indígenas em todos os aspectos da vida social, particularmente em questões que sejam do seu interesse. Considerando a importância da promoção e da proteção dos direitos dos povos indígenas, bem como a contribuição de tal promoção e proteção para a estabilidade política e social dos Estados onde vivem esses povos, os Estados deverão, em conformidade com o Direito Internacional, adotar medidas positivas e concertadas com vista a garantir o respeito por todos os Direitos Humanos e liberdades fundamentais dos povos indígenas, na base da igualdade e da não-discriminação, bem como reconhecer o valor e a diversidade das suas distintas identidades, culturas e organizações sociais”, consta a Declaração e Programa de Ação de Viena.

“Os Estados deverão garantir a participação plena e livre dos povos indígenas em todos os aspectos da vida social”

Foto: Mathias Reding no Unsplash

Confira o discurso na íntegra:

Sou Dário Victorio Kopenawa, vice-presidente da Associação Hutukara Yanomami.

Represento mais de 30 mil Yanomami e Ye’kwana da Terra Yanomami.

Venho denunciar a invasão do garimpo ilegal dentro da Terra Yanomami que se intensificou durante o governo Bolsonaro, trazendo muitas doenças como malária, pneumonia, verminoses e desnutrição, além de violência contra mulheres e crianças, assédio sexual e estupro.

O presidente Lula decretou Emergência em Saúde Pública de importância Nacional, após a morte de 570 crianças Yanomami.

Pedimos apoio internacional para ajudar o governo brasileiro a chegar urgentemente às aldeias mais distantes e para a retirada urgente do garimpo da Terra Yanomami.

Obrigado.