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Professores indígenas do médio rio Purus, em Lábrea, Amazonas, produzem e lançam livros bilíngues

Livros didáticos produzidos pelos professores indígenas dos povos Jamamadi, Apurinã, Jarawara e Paumari. Foto: Marcelli Damasceno, bolsista do projeto Observatório em educação do campo/floresta e Indígena na região do médio Purus.

POR LÍGIA KLOSTER APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI REGIONAL NORTE 1

Resultado do trabalho de uma equipe multidisciplinar, interinstitucional e de professores indígenas, quatro livros didáticos bilíngues “Saberes Indígenas na Escola” foram lançados neste dia 27 de abril, no Instituto Federal do Amazonas (IFAM), em Lábrea.

Os livros foram produzidos pelos professores indígenas dos povos Jamamadi, Apurinã, Jarawara e Paumari e organizados pelo IFAM, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Lábrea (SEMEC), Programa Sou Bilíngue Intercultural (PSBI) da Funai, Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp) e Instituto Mpumalanga. Um “ajuri” (palavra indígena de origem Tupi Aiurí, que significa mobilização, ajuntamento ou mutirão) de conhecimentos, que concretiza uma resposta a uma das maiores necessidades no campo da educação e de fortalecimento das culturas indígenas que vivem na região do médio Purus, no estado do Amazonas.

A principal finalidade dos livros, de acordo com o texto de abertura das obras, “é favorecer o desenvolvimento e a compreensão das produções orais e escritas, nos processos de letramento e numeramento”, definida no processo formativo do programa Saberes Indígenas na Escola do IFAM para professores indígenas, os quais fornecem “orientações para o melhor aproveitamento das propostas pedagógicas” adquiridas por eles.

Para Marcelo Rodrigues, Diretor do IFAM campus Lábrea, cada um dos livros é uma oportunidade ímpar para os educadores trabalharem em sala de aula o cotidiano da vida dos estudantes indígenas. “Na ótica pedagógica, o livro se tornou uma oportunidade ímpar para os educadores trabalharem com os educandos indígenas nas aldeias, considerando as atividades que pautadas no cotidiano da identidade desses alunos. Pois, mediando as atividades didáticas com temáticas relacionadas às vivências desse sujeito como a pesca, caça, desmatamento, traz esses saberes para o campo da alfabetização e numeração”, explica o diretor.

“O livro se tornou uma oportunidade ímpar para os educadores trabalharem com os educandos indígenas nas aldeias”

Encontro da equipe multidisciplinar, interinstitucional e de professores indígenas que produziu os quatro livros didáticos bilíngues “Saberes Indígenas na Escola”. Foto: Marcelli Damasceno, bolsista do projeto Observatório em educação do campo/floresta e Indígena na região do médio Purus.

Livros bilíngues

Em relação aos livros serem bilíngues, Rodrigues enaltece mais ainda os livros e diz que esses registros são uma maneira da língua materna desses povos não se extinguirem, oferecendo aos mais jovens e futuras gerações uma oportunidade a mais de manter viva sua língua.

“O fato do livro estar na língua dos povos torna-se de relevância imensurável, por não permitir que essa língua materna se extingua. Observa-se que, gradativamente, a língua está sendo menos presente em alguns povos, uma vez que os jovens não a utilizam com frequência. Mesmo com a morte dos mais velhos, no livro ficará o registro dessa escrita e de sua cultura, propiciando a eles a oportunidade de manter vivo esse saber indígena”, esclarece Rodrigues, explicando que pode ser instrutivo inclusive para os professores que lecionam em escolas de outras etnias ou até mesmo em escolas não indígenas.

Para o diretor, “o grande ganho que o livro traduzido na língua tem é a possibilidade de facilitar a comunicação entre educando e educador, bem como atender as exigências legais e valorizar a língua de cada povo”. “Podemos afirmar que este é o grande diferencial”, conclui.

“No livro ficará o registro dessa escrita e de sua cultura, propiciando a eles a oportunidade de manter vivo esse saber indígena”

Encontro da equipe multidisciplinar, interinstitucional e de professores indígenas que produziu os quatro livros didáticos bilíngues “Saberes Indígenas na Escola”. Foto: Marcelli Damasceno, bolsista do projeto Observatório em educação do campo/floresta e Indígena na região do médio Purus.

A equipe do Conselho Indigenista Missionário, Cimi, em Lábrea, em sua atuação com a educação escolar indígena, se aproximou do projeto Saberes Indígenas na Escola, do IFAM campus Lábrea, e se integrou aos parceiros, principalmente na assessoria aos professores indígenas.

A missionária do Cimi equipe Lábrea, Quezia Martins Chavez, diz que é necessário discutir metodologias de ensino que facilitem a prática dos professores indígenas, para que eles possam desenvolver uma atuação reflexiva, crítica e contextualizada com a realidade dos educandos. Um ensino que faça sentido para essas populações e não trazer algo de fora, de longe da sua realidade.

Daniel Lima, missionário do Cimi equipe Lábrea, analisa a educação brasileira, especialmente da educação escolar indígena, em um contexto de ataques e desmontes adotadas pelo atual governo federal, e percebe um retorno da política de integração dos povos indígenas à sociedade não-indígena da época da ditadura militar no Brasil.

“Hoje, a educação brasileira e os povos indígenas são atacados sistematicamente, no atual governo, que pretende levar a cabo aquele projeto de integração que iniciou na década de 70, no auge da ditadura. Esse processo de integração volta com muita força neste atual governo e tem como objetivo principal a desconstitucionalização e a deslegitimação dos direitos dos povos indígenas”, constata o missionário, indicando que os livros bilíngues se caracterizam como uma ação de resistência a esse plano político.

“Lançar essas obras nas línguas Apurinã, Jamamadi, Jarawara e Paumari, nesse contexto tão sombrio e tão desesperançoso, é um sinal de resistência diante de tantos ataques aos povos indígenas, às suas culturas, às suas línguas e à educação indígena que constitucionalmente lhes é garantido o direito de que ela seja diferenciada”, conclui.

“Esse processo de integração volta com muita força neste atual governo e tem como objetivo principal a desconstitucionalização e a deslegitimação dos direitos dos povos indígenas”

Parcerias são fundamentais

O diretor Rodrigues valorizou os parceiros que atuam com os povos indígenas na região do médio rio Purus, entre eles o Cimi.

“As parcerias foram de fundamental importância porque, desde o início até a confecção do produto do Programa Saberes Indígenas na Escola, que são os livros, elas viabilizaram o conteúdo e a produção. O IFAM campus Lábrea, assim como o Cimi e outras organizações, quer ser mais uma instituição de ensino que promova políticas de inclusão, e não retiradas dos direitos dos povos indígenas. Por isso ressaltamos que essa junção de forças junto aos parceiros nos deram a segurança necessária para elaboração de um material voltado, mesmo, para a garantia dos direitos”, explica o diretor.

Ele manifestou também seus votos de que as Secretarias de Educação, através da Coordenação Indígena, possam inserir essa meta em suas propostas educacionais, pois essa inserção “consolidará a proposta do programa, e teremos a certeza que os povos Apurinã, Paumari, Jarawara e Jamamadi estarão vivendo outro momento importantíssimo para eles”, conclui.