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Cimi repudia projeto que declara de “relevante interesse da União” a passagem de linhões de energia por territórios indígenas

Conselho Indigenista Missionário - Cimi

 O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) vem a público denunciar mais um ataque contra os direitos dos povos indígenas no Brasil.

Foi pautada para o dia 3 de maio de 2022, no plenário do Senado Federal, a votação do Projeto de Lei Complementar – PLP 275/2019, de autoria do senador Chico Rodrigues, concebe toda e qualquer passagem de linhas de transmissão de energia elétrica por terras indígenas, como sendo de “relevante interesse da União”. O PLP, defendido pelo governo Jair Bolsonaro e seus aliados, tem imenso potencial de impacto negativo nos territórios e na autonomia dos povos indígenas.

A Constituição Federal de 1988 reafirmou o direito dos povos indígenas ao usufruto exclusivo dos bens naturais existentes em seus territórios. Este direito fundamental deve ser sempre preservado. Já o caráter de “relevante interesse da União” de um projeto foi previsto para casos absolutamente excepcionais e nunca foi discutido, regulamentado ou definido. O principal interesse da União deverá ser, sempre, a proteção dos direitos fundamentais dos povos indígenas, principalmente a seus territórios, e a promoção e proteção da diversidade cultural. Longe disso, o PLP 275/2019, ao pretender estabelecer esse caráter de relevante interesse da União para todos os projetos de transmissão de energia que passam por terras indígenas, abre um gravíssimo precedente e afronta diretamente os direitos constitucionais dos povos indígenas.

A votação do PLP foi adiada para o dia 4 de maio, podendo ser apreciado pelo plenário da Casa justamente no momento em que os povos indígenas mais têm se mobilizado na defesa de seus direitos e na busca de diálogo com os Poderes. E, lamentavelmente, foram surpreendidos com mais uma ação de total insensibilidade do Congresso Nacional. O senador Chico Rodrigues tem utilizado o argumento de que, com a aprovação do PLP, será efetivada a construção do Linhão de Tucuruí, integrando Roraima ao Sistema Interligado Nacional com 250 torres em mais de 750 km. No entanto, vale ressaltar que, se a proposta for aprovada, o empreendimento irá atravessar a terra indígena do povo Waimiri-Atroari, onde vivem mais de 2.600 indígenas.

Ao longo de cinco décadas de sua história, o Cimi tem denunciado esses grandes empreendimentos que visam a destruição dos territórios e da vida dos povos indígenas. Em um desses momentos, em 2014, o então presidente do Cimi, Dom Erwin Kräutler, visitou o Papa Francisco para a entrega de um documento no qual o Cimi denunciava as agressões contra os indígenas, promovidas por grupos políticos e econômicos relacionados à agroindústria, à mineração e às construtoras.

O documento apontava que, à época, ao menos 437 terras pertencentes a 204 comunidades indígenas sofriam com os impactos de grandes empreendimentos, a exemplo da construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, no Pará. Entre os povos afetados por tais projetos, já havia grupos em situação de isolamento voluntário correndo risco de extinção, o que pode vir a ocorrer se nada for feito para impedir tais ações.

Além disso, o relatório também já apontava os conflitos resultantes da disputa por terras entre indígenas e produtores rurais, no sul da Bahia e no interior do Rio Grande do Sul, e a situação dos povos indígenas do Vale do Javari, no sudeste do Amazonas. Todos estavam sem a devida assistência à saúde, sucumbindo a surtos de diversas doenças, entre outras violências.

Hoje o quadro é bem pior. Além de Belo Monte, projetos como Transamazônica, Calha Norte, Jirau, Balbina, Itaparica, Itaipu, Jari, Santo Antônio, Matopiba, entre outros, visam o benefício de empresas e empresários de capital nacional e estrangeiro e não a população empobrecida, que é totalmente alijada dos seus direitos e desterritorializada. Os impactos deletérios ao meio ambiente são também irreversíveis. Esses grandes empreendimentos afetam as terras indígenas, atentam contra os direitos constitucionais, humanos e socioculturais dos povos indígenas; agravam os conflitos, colocando em risco a integridade física dos indígenas, além de retirar seus direitos à consulta e à sua autonomia, gerando grande impacto em sua organização social, ameaçando a sua sobrevivência e existência.

Somam-se a esse projeto outros também concebidos nesse viés de morte e destruição, a exemplo da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, do Projeto de Lei (PL) 490, do PL 191, que manipulam a verdade e ignoram a voz dos povos indígenas, que são os principais atingidos.

Ressaltamos que os povos indígenas são as primeiras vítimas dessa ambição “desenvolvimentista” na qual afeta, diretamente, o modo de vida e a cultura dos povos. Mas eles não são as únicas vítimas desse sistema. Todas as demais populações próximas, bem como todas as formas de vida do entorno e do planeta, correm risco de serem gravemente afetadas e até mesmo extintas. Não se trata de retórica, trata-se de emergência na defesa da vida e de riscos reais, comprovados por estudos científicos.

O Cimi reitera a denúncia desses projetos de destruição e morte, e solicita ao Senado Federal a rejeição desse PLP, nocivo aos direitos dos povos indígenas no Brasil. Ao mesmo tempo, o Cimi conclama a toda sociedade que se una nessa luta em defesa dos povos indígenas e da vida do planeta. Essa é uma luta de todos nós!

Brasília, 04 de maio de 2022

Conselho Indigenista Missionário