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CIDH e escritório regional do Alto Comissariado da ONU cobram do Brasil proteção integral aos povos Yanomami e Munduruku

11º Encontro de Mulheres Yanomami, realizado em 2018 na maloca Watoriki, Terra Indígena Yanomami. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

11º Encontro de Mulheres Yanomami, realizado em 2018 na maloca Watoriki, Terra Indígena Yanomami. Foto: Adriana Huber Azevedo/Cimi Norte 1

Por Tiago Miotto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUDH) emitiram uma nota [1] nesta quarta-feira (19), na qual expressam “grave preocupação” com os ataques contra os povos Yanomami e Munduruku e cobram que o Estado brasileiro cumpra seu dever de “proteger a vida, a integridade pessoal, aos territórios e aos recursos naturais desses povos”.

Os povos Yanomami e Ye’kwana, nos estados de Amazonas e Roraima, e Munduruku, no Pará, têm sofrido com a intensificação de ataques e ameaças de garimpeiros que exploram ilegalmente seus territórios. Desde a semana passada, grupos de garimpeiros armados vem atacando a aldeia Palimiu, na Terra Indígena (TI) Yanomami.

A Hutukara Associação Yanomami (HAY) informou [2] nesta segunda-feira que duas crianças Yanomami foram encontradas mortas, afogadas, depois de se perderem ao fugir do tiroteio que ocorreu no dia 10 de maio. No caso dos Munduruku [3], os eventos recentes incluem conflitos com pessoas armadas no interior do território, o bloqueio de fiscais na região e a destruição da sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, em Jacareacanga (PA).

Tanto a TI Yanomami quanto a TI Munduruku são áreas totalmente regularizadas e contam com decisões judiciais, ações e recomendações do Ministério Público Federal (MPF) determinando sua proteção e fiscalização – o que, como destaca a nota das instituições internacionais, ainda não resultou em ações efetivas do governo federal. Em 2020, a CIDH também emitiu medidas cautelares em favor da proteção dos povos Yanomami e Munduruku.

“A Comissão e o Escritório Regional da ACNUDH têm acompanhado de perto as graves violações dos direitos humanos a que estão sujeitos os povos Yanomami e Munduruku, resultado de atividades realizadas em seus territórios principalmente por garimpeiros ilegais, madeireiros e agronegócios, sem o seu consentimento”

Lideranças Munduruku, em Brasília, durante ato de denúncia contra os efeitos do garimpo ilegal em seu território e sua saúde, devido ao uso do mercúrio. Foto: Adi Spezia/Cimi

Lideranças Munduruku, em Brasília, durante ato de denúncia contra os efeitos do garimpo ilegal em seu território e sua saúde, devido ao uso do mercúrio. Foto: Adi Spezia/Cimi

“A Comissão e o Escritório Regional da ACNUDH têm acompanhado de perto as graves violações dos direitos humanos a que estão sujeitos os povos Yanomami e Munduruku, resultado de atividades realizadas em seus territórios principalmente por garimpeiros ilegais, madeireiros e agronegócios, sem o seu consentimento”, afirma a nota.

Para as entidades internacionais, a adoção de medidas de proteção é urgente e necessária para evitar situações que “geram a morte dos povos indígenas, a contaminação de suas fontes de subsistência, o desmatamento de grandes áreas de seus territórios, assim como a destruição de uma parte significativa de seus territórios e um risco permanente de sua sobrevivência cultural e econômica como povos”.

A CIDH e o Escritório Regional da ACNUDH também expressaram sua preocupação com projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional e tem potencial de gerar mais violações contra os direitos dos povos indígenas.

Elas citam como fonte de apreensão o Projeto de Lei (PL) 3729/2004, que desmonta o licenciamento ambiental [4] e foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados e aguarda votação no Senado; o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 177/2021, em tramitação na Câmara, que autorizaria o Presidente da República a abandonar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e o PL 191/2020, de autoria do governo Bolsonaro, que pretende liberar a mineração dentro de terras indígenas.

Leia, abaixo, a íntegra da manifestação:

 

A CIDH e o Escritório Regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas exortam o Brasil a garantir a proteção integral aos povos indígenas Yanomami e Munduruku

Washington D.C./ Santiago – A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Escritório Regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas expressam sua grave preocupação com os atos de violência que afetaram os povos indígenas Yanomami e Munduruku no Brasil. Nesse sentido, exortam o Estado a cumprir seu dever de proteger a vida, a integridade pessoal, aos territórios e aos recursos naturais desses povos.

A CIDH e o Escritório Regional da ACNUDH tomaram conhecimento sobre o enfrentamento em um território yanomami em Roraima, no dia 10 de maio, no qual garimpeiros ilegais supostamente abriram fogo contra membros da comunidade de Palimiú, incluindo contra crianças [5] que se encontravam no local. Lideranças indígenas, por meio de declaração à imprensa realizada no dia 15 de maio, afirmaram que duas crianças, de 1 e 5 anos [6], perderam a vida por conta do ataque. Por sua vez, informações recebidas demonstram que, no dia 25 de março, a sede da Associação Feminina Munduruku Wakobor’n, na cidade de Jacareacanga, sudoeste do Pará, também há sofrido um ataque. Sobre isso, o Ministério Público Federal emitiu [7] uma ação urgente às forças federais para impedir a invasão de grupos armados formados por garimpeiros ilegais, ação que ainda não haveria surtido grandes efeitos.

A Comissão e o Escritório Regional da ACNUDH têm acompanhado de perto as graves violações dos direitos humanos a que estão sujeitos os povos Yanomami e Munduruku, resultado de atividades realizadas em seus territórios principalmente por garimpeiros ilegais, madeireiros e agronegócios, sem o seu consentimento. Segundo informações públicas, estima-se que mais de 20 mil [8] garimpeiros ilegais estejam presentes apenas no território yanomami, a maior reserva indígena protegida doBrasil. Nas palavras [9] de um jovem Munduruku, os graves efeitos de tais atividades são que: “Vemos nossas florestas se tornarem grandes piscinas de lama. Vemos como as fontes de nossos rios estão se estabelecendo e como seus cursos estão se desviando. Vemos as sombras das árvores desaparecerem, como os frutos que coletamos diminuem, e como a água cristalina do Rio Tapajós, os riachos e as nascentes, se torna cada vez mais turva a cada dia. Vemos, em suma, como a fumaça dos incêndios obscurece nosso pôr do sol.

Além desse grave contexto, a Comissão e o Escritório Regional da ACNUDH observam com preocupação que a Câmara dos Deputados [10] aprovou, no dia 13 de maio, o Projeto de Lei nº 3.729/2004, [11] que visa flexibilizar as exigências ambientais para os empreendimentos agrícolas e energéticos. Caso uma lei desse escopo seja promulgada, os direitos humanos dos povos indígenas e seus territórios, incluindo os povos Yanomami e Munduruku, serão ainda mais impactados. Da mesma forma, ambas as instituições veem com preocupação a proposta do Projeto de Decreto Legislativo nº 177/2021, [12] de 27 de abril de 2021, que autorizaria o Presidente da República a denunciar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como o Projeto de Lei nº 191/2020 [13], que busca liberar as atividades de mineração em terras indígenas.

A CIDH e o Escritório Regional da ACNUDH lembram ao Estado que a relação única de existência entre povos indígenas e tribais e seus territórios tem sido amplamente reconhecida no direito internacional dos direitos humanos, como é evidente na Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção 169 da OIT e as Declarações da Organização das Nações Unidas e a da Organização dos Estados Americanos sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Além disso, o direito à autodeterminação dos povos indígenas, reconhecido pelo direito internacional, tem estreita relação com o uso e o arranjo de terras e territórios, resultando em obrigações específicas aos Estados em termos de proteção para tomar medidas especiais para reconhecer, respeitar, proteger e garantir o direito à propriedade comum. Nesse contexto, lembra que, tanto os povos indígenas Yanomami [14], quanto Munduruku [15], são beneficiários de medidas cautelares da CIDH em favor de sua proteção.

Nesse sentido, a Comissão Interamericana e o Escritório Regional da América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas exortam o Estado do Brasil a cumprir seu dever de proteger a vida, a integridade pessoal, territórios e recursos naturais dos povos indígenas Yanomami e Munduruku. Isso é necessário e urgente para acabar com os graves efeitos das ações dos invasores que se destinam a apreender seus recursos naturais em seus territórios. Situações que, ademais, geram a morte dos povos indígenas, a contaminação de suas fontes de subsistência, o desmatamento de grandes áreas de seus territórios, assim como a destruição de uma parte significativa de seus territórios e um risco permanente de sua sobrevivência cultural e econômica como povos.

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) é a principal entidade das Nações Unidas para os direitos humanos. A Assembleia Geral confiou ao Alto Comissário e ao seu Gabinete a missão de promover e proteger todos os direitos humanos de todas as pessoas. Os Direitos Humanos da ONU prestam assistência sob a forma de competências técnicas e capacitação para apoiar a implementação em campo de normas internacionais de direitos humanos. Os Direitos Humanos da ONU ajudam os governos, que têm a responsabilidade primária de proteger os direitos humanos, a cumprir suas obrigações e apoia os indivíduos na reivindicação de seus direitos. Além disso, denuncia objetivamente as violações dos direitos humanos.

A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato decorre da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem o mandato de promover a aplicação e a defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA nesta área. A CIDH é composta por sete membros independentes que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA de forma pessoal, e não representam seus países de origem ou residência.

No. 129/21