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Ataques armados de garimpeiros continuam na TI Yanomami e provocam a morte de duas crianças indígenas

Momento do ataque de garimpeiros contra a aldeia Palimiu,no dia 10 de maio, registrado em vídeo pela comunidade Yanomami. Foto: reprodução

Momento do ataque de garimpeiros contra a aldeia Palimiu,no dia 10 de maio, registrado em vídeo pela comunidade Yanomami. Foto: reprodução

Por Assessoria de Comunicação do Cimi Norte 1

Há pelo menos uma semana, ataques armados de garimpeiros contra indígenas tem ocorrido de forma sistemática contra a aldeia Palimiu, na região do Uraricoera, no interior da Terra Indígena (TI) Yanomami. No sábado, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) informou que duas crianças morreram afogadas, depois de se perderem durante a fuga do primeiro desta recente sequência de ataques, ocorrido no dia 10 de maio.

Após a denúncia da Hutukara Associação Yanomami (HAY), relatando a investida de grupos de garimpeiros armados contra a aldeia, outro ataque aconteceu no mesmo local na noite deste domingo (16), dessa vez com mais ostensividade.

De acordo com a HAY, as lideranças Yanomami da comunidade Palimiu em ligação telefônica relataram que 15 barcos de garimpeiros se aproximaram da comunidade e “que, além de tiros, havia muita fumaça e que seus olhos estavam ardendo, indicando o disparo de bombas de gás lacrimogêneo contra os indígenas”.

A situação foi relatada em ofício [1] destinado à Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami da Fundação Nacional do Índio (Funai), à superintendência da Polícia Federal em Roraima (PF/RR), à 1ª Brigada de Infantaria da Selva do Exército (1ª BIS) e ao Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).

No sábado, dia 15, a HAY já havia lançado uma nota pública confirmando o falecimento por afogamento de duas crianças Yanomami que, durante os ataques do dia 10, ao fugirem para a floresta, se perderam e caíram no rio. As crianças, de um e cinco anos de idade, foram encontradas dois dias depois (12), já sem vida.

“Não tem nenhuma força pública de segurança permanente do local, e os garimpeiros continuam diariamente amedrontando a comunidade”

Devastação causada pelo garimpo ilegal na TI Yanomami, em registro de maio de 2020. Foto: Chico Batata/Greenpeace Brasil

Devastação causada pelo garimpo ilegal na TI Yanomami, em registro de maio de 2020. Foto: Chico Batata/Greenpeace Brasil

“Estamos muito preocupados com nossos parentes do Palimiu, que estão sofrendo ameaças contra suas vidas”, denuncia a HAY, na nota. “A comunidade de Palimiu está sem nenhuma assistência de saúde: os profissionais de saúde foram removidos por conta dos tiroteios. Também não tem nenhuma força pública de segurança permanente do local, e os garimpeiros continuam diariamente amedrontando a comunidade”.

Também em nota, divulgada na semana passada, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) reitera [2] que esses ataques não são isolados e representam ações de violência permanentes contra os povos Yanomami e Ye’kuana e contra seu território, em clara manifestação de interesse pela área estratégica ao garimpo.

A nota destaca, ainda, a omissão do governo federal em coibir as atividades criminosas no interior da TI Yanomami e o fortalecimento dos garimpeiros, consequência prática dos discursos pró-garimpo do presidente da República, Jair Bolsonaro, que “acirram conflitos e podem potencializar novos ataques”.

“As operações de combate ao garimpo dentro da TI Yanomami mostraram-se até o momento claramente insuficientes e ineficazes, e não atingem as redes de sustento do garimpo e os esquemas de enriquecimento ilegal ao longo da cadeia da exploração mineral”, avalia o Cimi.

Cerca de 20 mil garimpeiros vivem e atuam ilegalmente, hoje, dentro da TI Yanomami. Os ataques são recorrentes e já este ano a HAY denunciou outros dois conflitos envolvendo garimpeiros. Um na aldeia Helepi, em fevereiro, e outro na mesma comunidade Palimiu, em abril.

Em 2020, dois indígenas Yanomami foram assassinados por garimpeiros. Todas essas investidas foram realizadas em meio à pandemia de covid-19, que atinge duramente os povos indígenas, e a um aumento nos índices de malária.

A pedido do MPF, a Justiça Federal de Roraima determinou o envio de tropas policiais para a terra indígena, no dia 13 de maio. Outras decisões da Justiça Federal [3], em ações do MPF, e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), na ADPF 709 [4], determinaram a retirada dos invasores e a proteção do território e do povo Yanomami. Até o momento, nenhuma das decisões judiciais foi cumprida pela União.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) também emitiu medidas cautelares [5], em julho de 2020, solicitando ao Estado brasileiro que adote medidas para proteger os direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal dos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana.

Leia, abaixo, a nota da HAY, ou clique aqui para baixá-la em pdf [6]:

NOTA PÚBLICA DA HUTUKARA ASSOCIAÇÃO YANOMAMI

MORTE DE DUAS CRIANÇAS NO PALIMIU APÓS ATAQUE DE GARIMPEIROS

Nós da Hutukara Associação Yanomami informamos a todos da triste notícia da morte de duas crianças Yanomami da comunidade de Palimiu, após os tiroteios de garimpeiros contra a comunidade ocorridos no início da semana.

As lideranças Yanomami do Palimiu chegaram a Boa Vista, em Roraima, às 10 da manhã, para falar em coletiva de imprensa sobre a situação de grande tensão que estão vivendo. Aos jornalistas disseram que estão muito tristes, que estão de luto e estão muito cansados, e que não estão dormindo direito por conta dos tiroteios que os garimpeiros vêm fazendo contra a comunidade.

À tarde, em reunião com o Ministério Público Federal, as lideranças puderam dar mais detalhes do que se passou na comunidade e relataram que duas crianças morreram após o tiroteio iniciado no dia 10. As lideranças confirmaram que naquele dia, quando iniciou o ataque dos garimpeiros à comunidade, todos saíram correndo para se proteger dos tiros, muito assustados. No meio da situação de desespero, muitas crianças se perderam no mato e ficaram desaparecidas, sozinhas próximo ao rio Uraricoera. No dia 11, os adultos saíram à sua procura. Muitas crianças foram encontradas, mas 02 meninos continuaram desaparecidos. No dia 12, às 15 horas, encontraram os corpos dos 02 meninos na água, já sem vida. As crianças estavam afogadas. Uma criança tinha 01 ano e outra de 05 anos.

Nós estamos muito preocupados com nossos parentes do Palimiu, que estão sofrendo ameaças contra suas vidas. Nesse momento, a comunidade de Palimiu sestá em nenhuma assistência de saúde: os profissionais de saúde foram removidos por conta dos tiroteios. Também não tem nenhuma força pública de segurança permanente do local, e os garimpeiros continuam diariamente amedrontando a comunidade. Os garimpeiros estão circulando ao redor da comunidade armados em barcos. Na noite do dia 14 de maio entraram na comunidade, mas os Yanomami tinham fugido do mato para se proteger.

Nós Yanomami queremos viver em paz na nossa terra, com a floresta. As autoridades brasileiras precisam cumprir sua responsabilidade e agir urgentemente para garantir a segurança dos Yanomami e dos Ye’kwana, e para proteger a Terra Indígena Yanomami e a floresta do garimpo ilegal.

 

Boa Vista, 15 de maio de 2021

Dário Vitório Kopenawa Yanomami
Vice-Presidente
Hutukara Associação Yanomami