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Associação Xavante Warã denuncia intimidação às lideranças contrárias ao agronegócio na TI Sangradouro, em Mato Grosso

Povo Xavante na Terra Indígena São Marcos. Foto: Agência Info Salesiana

Povo Xavante na Terra Indígena São Marcos. Foto: Agência Info Salesiana

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

A Associação Xavante Warã publicou uma nota nesta quarta-feira (19) denunciando o uso político que o governo federal está fazendo do povo Auwé Xavante, implantando cooperativas agrícolas que funcionam em parceria com o agronegócio, dentro da Terra Indígena (TI) Sangradouro, no Mato Grosso.

Os Xavante afirmam que seus conhecimentos ancestrais e milenares não são condizentes com o discurso que se baseia “em ideias que relacionam os povos indígenas com ‘miséria, pobreza, subdesenvolvimento’”. E que “pobre é o projeto desse governo para o Brasil… Projeto falido desenvolvido pela Funai na Ditatura Militar como modelo de política de Estado para a questão indígena”, destaca a nota, que também reafirma a resistência do povo Auwé Xavante.

“Ao contrário do que seu nome pretende transparecer, o projeto nada tem de independência ou autonomia para o povo A’Uwe Xavante”

O “Projeto Independência Indígena”, denunciado pela Associação Xavante Warã, foi aprovado e incentivado pela atual gestão da Fundação Nacional do Índio (Funai), em articulação com o Sindicato Rural de Primavera do Leste, em Mato Grosso. “Ao contrário do que seu nome pretende transparecer, o projeto nada tem de independência ou autonomia para o povo A’Uwe Xavante”, denuncia a organização indígena, que ainda adverte que o projeto é um “estimulo à dependência e ao arrendamento, com ares de legalidade”.

Os Xavante avaliam que este não é um caso isolado, mas uma política de Estado. Lideranças e organizações indígenas e indigenistas têm denunciando casos similares. “O quadro é grave, é nosso modo de vida que está ameaçado, não há alternativas para nossa cultura e relação com o Ró sem o Cerrado”, destaca a nota.

Confira a nota de repúdio na íntegra ou acesse o PDF [1]:

 

Nota de repúdio

A Associação Xavante Warã, organização indígena que há 25 anos articula as comunidades Xavante na defesa dos seus direitos e do território Auwé, vem a público repudiar o uso político que o governo federal está fazendo do povo Auwé Xavante, como laboratório de sua “antipolítica indigenista”, implantando cooperativas agrícolas que funcionam em parceria com o agronegócio, dentro da Terra Indígena de Sangradouro/MT.

A riqueza de nossos repertórios culturais e conhecimentos, desenvolvidos ao longo dos milênios em que habitamos o Cerrado, não é condizente com o discurso que se baseia em ideias que relacionam os povos indígenas com “miséria, pobreza, subdesenvolvimento”. Pobre é o projeto desse governo para o Brasil.

Nosso povo resistiu ao contato até os anos 1960, quando pela epidemia de sarampo, aceitamos nos fixar em Sangradouro. Nossa terra foi reconhecida somente em 1991 pelo Estado brasileiro. Na atual conjuntura o Governo Federal replica o projeto falido desenvolvido pela Funai na Ditatura Militar como modelo de política de Estado para a questão indígena. Velhos fantasmas da tutela e do desenvolvimentismo que continuam, sob novas roupagens modernizantes, a rondar e cobiçar a riqueza do nosso território e da nossa cultura.

O Sindicato Rural de Primavera do Leste/MT fundou a Cooperativa agrícola (COOIGRANDESAN – Cooperativa Indígena Sangradouro e Volta Grande) que está operando dentro da Terra Indígena Sangradouro. Em diversos registros realizados em vídeo há inúmeras evidências da ação desse sindicato na construção do projeto da Cooperativa.

Esse “Projeto Independência Indígena”, propagandeado pelo governo, foi aprovado e incentivado por essa gestão da Funai, em articulação com o Sindicato Rural de Primavera do Leste/MT. Ao contrário do que seu nome pretende transparecer, o projeto nada tem de independência ou autonomia para o povo A’Uwe Xavante. Na verdade, o projeto é mais um estimulo à dependência e ao arrendamento, com ares de legalidade. Sabemos que a finalidade última desse projeto – que é político – é de se apropriar do nosso território, sob falsa e hipócrita justificativa de desenvolvimento econômico das nossas comunidades. Antigos argumentos para novas investidas sobre os nossos direitos e nosso território.

É o cerco do agronegócio no Cerrado e todas os seus projetos de estradas, centrais hidrelétricas e ferrovia, que destrói a forma de vida do Povo Auwé Xavante no Ró/Cerrados, nosso meio de vida, trazendo doenças e morte. A entrada da lógica desenvolvimentista nas terras indígenas é o caminho que o atual governo adota na intensificação do genocídio que estamos vivendo.

Este não é um caso isolado, trata-se de uma política de Estado. A imprensa e as organizações indígenas tem denunciado uma série de casos paralelos entre outros povos e terras indígenas do Brasil. O quadro é grave, é nosso modo de vida que está ameaçado, não há alternativas para nossa cultura e relação com o Ró sem o Cerrado. Os ruralistas não satisfeitos em desmatar tudo em volta das Terras Indígenas, agora com essa Cooperativa, entra em nossa casa e derruba mais de mil hectares de mata para fazer monocultura. Infinitas espécies e os animais estão ameaçados. Sem o Cerrado, ficaremos cada vez mais dependente do agronegócio e dos produtos dos Waradzu. Como vamos viver?

Não bastasse todo o assédio, há ainda tentativa de intimidação às lideranças Auwé que se opõem ao projeto. A perseguição às lideranças e organizações indígenas que não se curvam aos interesses do agronegócio, da mineração ilegal e da exploração madeireira é atualmente uma política deliberada do Governo Federal. Da mesma maneira, tentam calar, através da criminalização, os dirigentes e lideranças de nossas organizações que denunciam a política genocida e diversionista do Governo Federal. Somamos nossa força à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e a todas as organizações indígenas que lutam na defesa de nossos direitos e dos nossos territórios.

A Associação Xavante Warã continuará atuando por um projeto de futuro para o povo Auwé Xavante. As trilhas e o espíritos do Ró e a defesa e a demarcação dos nossos territórios são os únicos caminhos para a verdadeira autonomia povo Auwé Xavante.

Repudiamos o Projeto de Dependência Indígena ao Agronegócio, implementado na TI Sangradouro. Também repudiamos as proposições legislativas que visam dar suporte e legalizar os projetos de exploração e morte dos povos indígenas, como o PL 191/19 (regulamenta a mineração, aproveitamento hidrelétrico e outras atividades em terras indígenas) PL 3729/14 (Lei Geral do Licenciamento Ambiental) e PDL 177/2021 (denuncia a Convenção 169/OIT).

Associação Xavante Warã

19 de maio de 2021