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“O governo de Bolsonaro está promovendo a discriminação dos indígenas brasileiros”, denuncia Cimi à ONU

Por Assessoria de Comunicação do Cimi

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) se dirigiu à 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas na última sexta-feira (19) para denunciar o governo brasileiro pela publicação da Resolução 04/2021, que estabelece “critérios de heteroidentificação” para avaliar a autodeclaração de identidade dos povos indígenas no Brasil.

A denúncia foi realizada pelo presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), que também alertou: “ao tentar trazer para si o direito de declarar quem é ou não indígena, Bolsonaro também está decidindo quem será ou não beneficiário das políticas públicas, que são direitos constitucionalmente garantidos”.

Em face da Declaração de Durban, o Cimi se dirigiu ao Conselho para denunciar o Estado brasileiro e o governo de Jair Bolsonaro por promover a discriminação dos indígenas brasileiros e pedir a revogação imediata da Resolução 04. “Solicitamos o apoio deste Conselho”, apela o religioso.

“Ao tentar trazer para si o direito de declarar quem é ou não indígena, Bolsonaro também está decidindo quem será ou não beneficiário das políticas públicas”

Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), durante denúncia à ONU. Crédito da foto: Reprodução

 

Sobre a Resolução nº 04

A Resolução nº 04 foi publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 22 de janeiro deste ano. Desde então, tem recebido duras críticas de organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil por violar dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como, contrariar definições do Supremo Tribunal Federal (STF).

Criada sob o argumento de “padronizar e dar segurança jurídica” ao processo de autodeclaração indígena, a Resolução 04 traz o verniz de ser uma forma de “proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população”. Na prática cria mais dificuldades [1] ao reconhecimento e identificação das pessoas enquanto indígenas, na medida em que o governo sequer apresentou números ou casos de fraudes.

“Na prática essa Resolução cria mais dificuldades ao reconhecimento e identificação das pessoas enquanto indígenas”

Dada a gravidade do ato administrativo, a assessoria jurídica do Cimi produziu uma nota técnica [2] sobre a Resolução nº 4. Segundo análise da equipe, “essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos indígenas ao propor critérios sobre uma auto-identificação que é, por direito, subjetiva, não se reduzindo aos estereótipos ou características fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas ‘pré-colombianas’”.

Na mesma semana em que o Cimi levou a denúncia ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o ministro do STF Roberto Barroso suspendeu a Resolução [3]. A decisão ocorreu no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. A ação foi proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), partidos políticos e organizações da sociedade civil e entidades científicas, que por meio dela cobram medidas de combate à pandemia da covid-19 entre os povos indígenas. Barroso é o relator da ADPF.

“Essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos indígenas”

Plenária da manhã discutiu vários temas, entre eles, criminalização e demarcação de terras. Crédito: Mobilização Nacional Indígena

Plenária durante o Acampamento Terra Livre, em 2018, discutiu a criminalização e demarcação de terras. Crédito: Mobilização Nacional Indígena

 

Declaração e Programa de Ação de Durban

As contribuições a este item do Conselho de Direitos Humanos têm por objetivo acompanhar a implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban [4]. O documento nasce com o objetivo de listar diretrizes que possam orientar e amparar políticas públicas de combate ao racismo. A declaração é fruto da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância [5], realizada em setembro de 2001, pela ONU, em Durban, na África do Sul.

A Declaração e Programa de Ação de Durban tem sido um instrumento de combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância em todo o mundo. No Brasil tem sido fundamental na criação de políticas públicas, na definição de critérios de autodeclaração de cor/raça e na aprovação do Estatuto da Igualdade Racial [6], promulgado em 2010.

A Declaração também dedica um de seus artigos, o 39º, aos povos indígenas. Nele reconhece que os indígenas têm sido vítimas de discriminação e “afirma que eles são livres e iguais em dignidade e direitos e não devem sofrer qualquer tipo de discriminação baseada, particularmente, em sua origem e identidade indígena”. Ainda argumenta se fazer necessário medidas constantes para superar a persistência do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias que os afetam.

 

Incidências na 46ª sessão ordinária do Conselho

Esta foi a última incidência organizada pelo Cimi na 46ª sessão ordinária do Conselho, com início no dia 22 de fevereiro e término nesta terça-feira (23). As sessões ocorreram por videoconferência. Ao longo desses 30 dias, organizações indigenistas e indígenas realizaram sete incidências entre eventos paralelos, diálogos interativos e debates gerais.

A situação dos povos indígenas no Brasil no decorrer da pandemia do novo coronavírus foi denunciada pelo assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena [7] e o pelo padre Dário Bossi [8], representando diversas entidades eclesiais.

“A Declaração de Durban afirma que os indígenas são livres e iguais em dignidade e direitos e não devem sofrer qualquer tipo de discriminação”

Padre Dário Bossi durante a 46ª sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Foto: Divulgação

Padre Dário Bossi durante a 46ª sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Foto: Divulgação

O grave quadro ambiental envolvendo as populações indígenas, o registro no aumento das invasões e exploração indevida dos territórios, bem como a paralisação das demarcações e o desmonte das políticas públicas ambientais, foi reportado por Luís Ventura Fernandez [9], que atua pelo Cimi na Amazônia.As fragilidades do programa brasileiro de proteção de defensores têm apresentado, foram denunciadas pela jovem indígena Sthefany Tupinambá [10], sobrinha do Cacique Babau. Ela destacou o quanto essas fragilidades colocam em risco a vida e a luta dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil.

As atrocidades cometidas contra os indígenas Chiquitano na fronteira entre Brasil e Bolívia foram reportadas à ONU pela terceira vez. Tamanha a gravidade do conflito na região, as lideranças não puderam realizar a denúncia sob risco de morte. Paulo Lugon [11], representante do Cimi na Europa, emprestou sua voz a estas vítimas.

Com o objetivo de analisar os impactos das agendas fundamentalistas na vida das mulheres, povos originários e comunidades tradicionais, organizações religiosas e de direitos humanos do Brasil propuseram um “Evento Paralelo [12]” para dialogar sobre “Intolerância Religiosa no Brasil: Direitos Humanos, Novos Fundamentalismos e Exclusão”.

“As fragilidades do programa brasileiro de proteção de defensores têm colocado em risco a vida e a luta dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil”

Sthefany Tupinambá durante a 46ª sessão da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas. Foto: Divulgação

 

Confira o discurso de Dom Roque:

 

Senhora presidenta

Preocupados com a implementação da Declaração de Durban, nos dirigimos a esse Conselho para denunciar o Estado brasileiro, pela publicação da Resolução 04/2021, que promove a discriminação dos povos indígenas no Brasil.

A Resolução do Governo brasileiro define “critérios de heteroidentificação” dos povos indígenas no Brasil, o que é totalmente contrário ao princípio de autodeclaração consagrado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O Governo Bolsonaro tenta trazer para si o direito de declarar quem é, ou não é indígena no Brasil, uma atitude autoritária e totalmente repudiada. Ao decidir quem é ou não é indígena, o governo também estaria decidindo quem será ou não beneficiário das políticas públicas, que são direitos constitucionalmente garantidos.

O governo de Bolsonaro está promovendo a discriminação dos indígenas brasileiros.

Pedimos ao Governo brasileiro que revogue imediatamente esta Resolução e solicitamos o apoio deste Conselho.

Muito obrigado!