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STF decide futuro de Guarani-Kaiowá preso desde 2018

Leonardo de Souza, Guarani Kaiowá preso pela Força Nacional. Foto: divulgação

Por Nanda Barreto, da Assessoria de Comunicação do Cimi

O pedido de Habeas Corpus (HC) para o Guarani Kaiowá Leonardo de Souza está pronto para a análise do Supremo Tribunal Federal (STF) [1]. A expectativa é de que a decisão considere o contexto da pandemia do novo coronavírus, visto que o indígena é idoso e portador de comorbidades. A defesa também espera que o STF tenha em vista a Resolução 287/2019 do Conselho Nacional de Justiça [2], cujo foco são procedimentos específicos para indígenas em conflito com a lei.

De acordo com Daniele Osório, defensora pública federal em Mato Grosso do Sul, recentemente o STF pediu à Vara Federal de Dourados um relatório médico do Leonardo. “Com a inclusão deste laudo médico, está completamente provado aquilo que estamos dizendo há tempo: ele tem a saúde frágil e está no grupo de risco para a contaminação da covid-19. Esperamos que o Supremo decida e conceda a revogação da preventiva e a liberdade dele”.

Daniele é responsável pelo primeiro pedido de soltura de Leonardo, junto ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), em 2018. “O caso envolve um conflito aos moldes de um filme de faroeste, no qual os fazendeiros promoveram uma verdadeira matança, mas a única pessoa presa é um indígena. A situação é de muita injustiça”, argumenta.

Histórico
Preso pela Força Nacional há dois anos [3], na reserva Tey’i Kue, em Caarapó, Leonardo é idoso, diabético, hipertenso e vive um quadro depressivo que se agrava desde o brutal assassinato de seu filho. Em 2016, o jovem Clodiodi Aquile de Souza foi morto na própria aldeia, durante ataque paramilitar realizado por cerca de 70 fazendeiros – o caso ficou conhecido como Massacre de Caarapó [4] e deixou mais seis indígenas feridos por armas de fogo, cinco dos quais com gravidade.

Naquela ocasião, Leonardo foi acusado de reagir com violência contra policiais que chegaram ao local após o ataque a seu povo. Ele foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) pelos crimes de tortura de policiais, cárcere privado qualificado, roubo qualificado, sequestro, dano qualificado e corrupção de menores.

“O caso envolve um conflito aos moldes de um filme de faroeste, no qual os fazendeiros promoveram uma verdadeira matança, mas a única pessoa presa é um indígena. A situação é de muita injustiça”.

Fazer valer direitos
Daniele observa que a prisão de Leonardo é anterior à Resolução 287, do CNJ. “Tem muitas questões que não foram levadas em conta até agora, como as características e valores culturais do Leonardo. Esperamos que o STF dê um enfoque mais humanizado ao agravo regimental de recurso em HC que foi apresentado pela Defensoria Pública da União”, pontua.

“Este é mais um caso de indígena preso sem que a determinação do CNJ seja cumprida. O sistema de justiça precisa se apropriar da questão indígena”.

A assessora jurídica do Cimi, Michael Mary Nolan, ressalta que a Resolução 287 é um instrumento fundamental para fazer valer os direitos indígenas. “Este é mais um caso de indígena preso sem que a determinação do CNJ seja cumprida. O sistema de justiça precisa se apropriar da questão indígena. Esperamos que o STF seja sensível ao tema e considere também que o senhor Leonardo está entre os grupos mais suscetíveis ao contágio da covid-19, fazendo valer a recomendação 62 do CNJ [5]“, salienta.

De acordo com Michael, entre os principais aspectos abordados pela Resolução 287 estão a incorporação do critério da autodeclaração da pessoa indígena, a atenção ao direito de a pessoa indígena ser entendida e se fazer entender no processo por meio de intérprete, a adequação de medidas cautelares e penas restritivas de direitos a costumes e tradições indígenas e a possibilidade de o juiz homologar mecanismos tradicionais de responsabilização criminal.

Números subestimados
Dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) relativos ao segundo semestre de 2019 mostram um total de 1325 homens e 65 mulheres indígenas em situação de prisão. No entanto, a advogada Michael ressalta que há muitos desafios para contabilizar o encarceramento de indígenas. “Para começar, nem todas as prisões informam estes dados. Além disso, os próprios indígenas desconhecem seus direitos e não se identificam como indígenas. É uma situação complexa. Será necessário desconstruir toda uma mentalidade de exclusão e preconceito – e este é um trabalho que ainda levará tempo”.

Linguagem ilustrada

Para facilitar o acesso de indígenas a seus direitos, organizações sociais lançaram na semana passada uma cartilha sobre povos indígenas em conflito com a lei. Com linguagem simples e ilustrada, a publicação pode ser baixada aqui [6].