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A cada três empresas que devem ao fisco, uma pertence ao agronegócio

Por Bruno Stankevicius Bassi, De Olho nos Ruralistas

O agronegócio é responsável por 149 empresas ou empresários na lista dos 500 maiores devedores de impostos à União. O levantamento foi organizado pelo De Olho Nos Ruralistas, com dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e faz parte da série De Olho nas Dívidas [1]. Ao todo, 29,8% empresas ou empresários ligados à produção rural brasileira devem R$ 335 bilhões à União, o equivalente a três anos da economia projetada inicialmente por Paulo Guedes, ministro da Economia, para a próxima década, que é de R$ 1,13 trilhão [2].

Apresentada à parte, a previdência dos militares, chamada de Sistema de Proteção Social das Forças Armadas, deve garantir ao governo, em dez anos, de acordo com Guedes, uma economia de R$ 10 bilhões. A dívida de empresários do agronegócio é trinta vezes maior e poderia pagar a aposentadoria por trinta anos. A projeção para vinte anos será de R$ 33,65 bilhões, 10% do passivo que os ruralistas acumulam.

Em termos financeiros, a fatia do agronegócio é ainda maior. O setor responde por 41,1% dos R$ 814,9 bilhões englobados pela lista dos 500 maiores devedores. Na primeira reportagem da série, mostramos o perfil dos três conglomerados que encabeçam a relação: “Cinquenta empresas do agronegócio devem R$ 200 bilhões à União [1]“.

Mas esse montante deve sofrer uma redução expressiva. Base fiel ao presidente Jair Bolsonaro na defesa da reforma da Previdência, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) conseguiu, na última semana, derrubar um veto no projeto original apresentado por Guedes, permitindo o perdão de R$ 17 bilhões [3] nas dívidas previdenciárias de produtores rurais.

A FPA é financiada [4] indiretamente por grandes devedores, como a Bunge, cujo estoque de dívidas, divididos entre seis empresas, soma R$ 127,7 milhões. Rival no mercado de comércio de grãos, a Cargill tem um passivo mais acanhado: R$ 12,6 milhões. As duas empresas pertencem à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), uma das entidades mantenedoras do Instituto Pensar Agro (IPA), responsável por destinar recursos e prestar assessoria técnica à FPA.

Entre 500 maiores devedores, setor deve R$ 335 bilhões, 41% do passivo de R$ 815 bilhões; de acordo com a projeção trilionária de economia com a reforma da previdência, em dez anos, essa dívida pagaria três anos de gastos com o INSS

Grupo Arantes lidera entre os frigoríficos

Se no quesito individual os grupos Parmalat, JB Duarte e Dolly encabeçam a relação de devedores, no conjunto da obra o prêmio vai para a Arantes Alimentos. Em recuperação judicial desde 2009, o grupo possui nada menos que 42 das 149 empresas ou empresários ligados ao agronegócio identificados na lista dos 500 maiores devedores da União.

Carro-chefe da companhia, a Arantes Alimentos Ltda possui a dívida mais elevada, de R$ 1,9 bilhão. Atrás dela vêm outras 24 empresas, totalizando R$ 38,7 bilhões em dívidas relacionadas a pessoas jurídicas. A dívida do grupo é tamanha que, juntos, os sete frigoríficos do grupo – Arantes, Franco Fabril, Frigorífico Vale do Guaporé, Olcav, Pádua Diniz, Cheyenne e Brasfri – respondem por 26,4% da dívida total deste setor junto à União, de R$ 42,9 bilhões.

Esse montante supera casos de ampla repercussão como do Grupo Bertin [5], que pediu recuperaçao judicial em 2017 e aparece na lista das 500 maiores devedoras com a Tinto Holding Ltda (R$ 1,3 bi bilhão), e do Grupo Diplomata, pertencente ao ex-deputado federal Alfredo Kaefer (PP-PR) [6]. No frigorífico do político, no dia 5 de junho de 2018, três trabalhadores morreram [7] após uma explosão.

Mas as dívidas do Grupo Arantes não param por aí. Ele também aparece na lista com os irmãos e sócios no conglomerado, Danilo de Amo Arantes e Aderbal Arantes Jr, que chegaram a ter prisão decretada pela Justiça de Goiás, em 2009. Em entrevista ao Estadão, Aderbal afirmou que viraria vegetariano [8] quando se livrasse das dívidas. Juntos, os 17 sócios da empresa somam outros R$ 25,6 bilhões em passivos.

Dívidas totais: R$ 64,3 bilhões. Valor superior ao Produto Interno Bruto de estados como Paraíba e Rio Grande do Norte.

Dívidas por setor são detalhadas

O setor de frigoríficos não é o único a ter destaque na lista dos 500 maiores devedores da União. As usinas de cana também concentram dívidas bilionárias. Ao todo, as 16 empresas sucroalcooleiras somam R$ 33,4 bilhões de dívidas em impostos. As três com maior acúmulo de débitos no subsetor estão no município de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, e ultrapassam os R$ 3 bilhões de passivo. São elas: Cooperativa Fluminense dos Produtores de Açúcar e de Álcool (Cooperflu), Companhia Açucareira Paraíso e a Usina São João Lyzandro S.A. A essas junta-se a Companhia Usina do Outeiro, com sede no sul da Bahia, e um volume de R$ 3,1 bilhões em débitos.

Mais para baixo na lista, com um débito de R$ 619 milhões, aparece a Companhia Geral de Melhoramentos em Pernambuco, mais conhecida como Usina Cucaú. Pertencente à família do ex-senador e ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto [9] (PSDB-PE), o grupo é o recordista absoluto em flagrantes de trabalho escravo no Brasil. Entre 2001 e 2009, 1.406 trabalhadores foram resgatados em situação análoga à escravidão.

Ao todo, 14 produtores de tabaco aparecem entre os 500 maiores devedores da União. A elite das dívidas entre os tabagistas é dominada pelos ex-sócios Mauro Donati e Luiz Antônio Duarte Ferreira e suas empresas, American Virginia e LDF Participações Ltda, devendo R$ 8,8 bilhões.

No setor de laticínios, cinco empresas ligadas ao grupo Parmalat, hoje controlado pela multinacional francesa Lactalis, acumulam R$ 68,6 bilhões de passivo. São elas: Carital Brasil Ltda, Padma Indústria de Alimentos SA, PPL Participações Ltda, Zirconia Participações Ltda e Isii Empreendimentos e Participações Ltda.

Dos 150 devedores do agronegócio, 24 são produtores de eucalipto e deram um calote na União de R$ 54,8 bilhões em impostos. Imperam na relação as empresas e sócios do grupo JB Duarte, que mantém débitos de R$ 36,7 bilhões, sendo que R$ 7,5 bilhões são de Laodse Denis de Abreu Duarte, a pessoa que mais deve ao fisco brasileiro.

Também integram a lista os dois maiores devedores do Imposto Territorial Rural (ITR): os fazendeiros Aparecida Paxeco Sennas Lopes e Thomezio Chelli, que juntos somam R$ 2,9 bilhões.

LEIA MAIS: Cinquenta empresas do agronegócio devem R$ 200 bilhões à União [1]