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Justiça Federal acolhe denúncia e pede perícia para caso de grupo Avá-Guarani preso por três taquaras

De um lado o tekoha Mokoi Joegua; na outra margem, a Reserva Biológica onde os Avá-Guarani foram presos pela retirada de três bambus. Em comum, nas duas margens, a tradicionalidade da ocupação Guarani. Crédito da foto: Osmarina Oliveira/Cimi

Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

O juiz Edilberto Barbosa Clementino, da 5ª Vara Federal de Foz do Iguaçu, acolheu a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná [1], em pleno Abril Indígena, contra cinco Avá-Guarani. Os indígenas, do tekoha – lugar onde se é – Mokoi Joegua, são acusados de crime ambiental por terem retirado três taquaras – espécie de bambu – da Reserva Biológica da Itaipu Binacional, em Santa Helena, oeste paranaense.

Conforme o juiz, a denúncia feita pelo procurador Alexandre Collares Barbosa, que acusa os Avá-Guarani pelo corte de “árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente”, atende condições necessárias para a abertura do processo.

A decisão do juiz, porém, não acatou o argumento utilizado pelos advogados dos Avá-Guarani de que há baixo potencial ofensivo no crime, ou seja, o delito não existiu; o chamado princípio da insignificância. A defesa dos indígenas é feita pela Assessoria Jurídica do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de Foz do Iguaçu.

Mesmo desfavorável aos indígenas, o despacho atendeu ao menos a um pleito da defesa. “O juiz acatou nosso pedido de realização de laudo antropológico para retomada da ação, então ela está temporariamente suspensa até o laudo ficar pronto por técnico escolhido. Após isso, ele quer marcar audiência”, explica o advogado do CDHMP, Ian Vargas.

Para o advogado, é “ínfima a lesão ao meio ambiente e baixa (a) reprovação social”, explica Vargas. “Agora juiz determinou a realização de laudo antropológico, que pode constatar que eles não tinham conhecimento da ilegalidade de corte de vegetação no território do refúgio biológico de Santa Helena”, complementa.

A decisão surpreendeu, na análise de Osmarina Oliveira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul, porque anteriormente a área onde os Avá-Guarani retiraram as três taquaras pertencia ao tekoha Mokoi Joegua. Osmarina explica que para os Guarani aquela terra é tradicional e nada mais normal do que retirar as taquaras, que seriam usadas em um ritual na Casa de Reza da aldeia.

Por conta de tais detalhes que, para a surpresa de todos e todas, o procurador do MPF deixou escapar, a integrante do Cimi acredita que a “perícia antropológica é importante para esclarecer os fatos e dar vez e voz aos indígenas, que não tiveram essa oportunidade até a denúncia”, pontua.

Osmarina entende que “não acha razoável que os indígenas, por retirarem os três bambus, sejam penalizados enquanto a Itaipu, que alagou centenas de hectares de terras, inclusive as aldeias antigas dos Guarani, até o momento não foi penalizada”. A perícia antropológica deve ficar pronta em 30 dias.

A denúncia do MPF, porém, segue intrigando indígenas e indigenistas, na medida em que é função dos procuradores, de acordo com a Constituição Federal, defender os povos indígenas. “Ao invés de sensibilizar e tutelar o direito e a luta indígena, se soma (o procurador) a um avanço do governo na figura da Itaipu, com uma guinada contra os guaranis (SIC)”, analisa o assessor jurídico da CDHMP, Ian Vargas.

Para o advogado dos Avá-Guarani, o procurador “agrava a situação social, jurídica e humana dos guaranis (SIC), uma vez que, em paralelo aos processos de reintegração que a Justiça Federal regional concede para a Itaipu [2], há essa acusação criminal inconcebível, que agrava a situação na medida que criminaliza, estigmatiza e persegue os guaranis (SIC), que são vítimas históricas da violação de seus direitos, como o direito à terra e à cultura, pelo Estado”.

Histórico do caso

Em 14 de março de 2018, os cinco indígenas foram presos pela Polícia Ambiental, nas imediações do Parque Nacional do Iguaçu, em Santa Helena, acusados de depredar vegetação nativa para a retirada de taquara – uma espécie de bambu utilizado de forma tradicional pelos Avá-Guarani para a construção de casas, artesanato e rituais.

Os indígenas Adenilson Acosta, Carlos Ferreira, Cláudio Bararaka Mirim Bogado, Lourenço Bogado e Salustiano Avaroka foram presos numa área chamada Refúgio Biológico de Santa Helena, de propriedade da Itaipu Binacional, e levados à Polícia Federal, que estabeleceu fiança de R$ 1 mil para cada indígena. Dias depois, porém, foram soltos em liberdade provisória por decisão da Justiça Federal.

A denúncia gerou revolta entre as lideranças indígenas Avá-Guarani. Ainda mais porque o procurador Collares decidiu pelo arquivamento da denúncia que acusa os policiais que prenderam os Avá-Guarani de os terem agredido verbal e fisicamente. Na delegacia, chegaram a não sentar nas cadeiras porque um policial teria dito a eles que estavam sujos. O procurador despachou para a gaveta o relato dos indígenas no mesmo dia em que os denunciou à Justiça Federal.