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Indígenas no Paraná são impedidos de realizar manifestação em vias públicas no oeste do estado

Povo Guarani em protesto na Ponte Ayrton Senna, no último dia 25 de março. Crédito da foto: Paulina Martines

Por Adilvane Spezia, da Assessoria de Comunicação – Cimi

Esta é mais uma iniciativa de repressão que os Guarani vêm enfrentando no Paraná. Trata-se de uma ação de interdito proibitório movida pela Advocacia-Geral da União (AGU) que transforma lideranças Guarani de doze aldeias de Guaíra e Terra Roxa, oeste do Paraná, em réus, deferida pelo juiz da 1º Vara Federal de Guaíra, Gustavo Chies Cignachi.

A decisão autoriza o Poder Público a impedir manifestações dos Guarani nas rodovias as rodovias BR-163, BR-272 e BR-487. A iniciativa da AGU e a decisão judicial ocorreram em virtude de protestos indígenas na Ponte Ayrton Senna, divisa entre o Paraná e o Mato Grosso do Sul, contra a municipalização da saúde indígena, parte de atos que ocorreram em todo o país entre os dias 25 e 29 de março.

Caso os Avá-Guarani realizem novas manifestação, e a decisão judicial seja descumprida, a multa fixada contra os indígenas é de R$ 5.000,00 reais por hora, a ser cobrada de cada indígena que estiver se manifestando. O interdito prevê a desocupação imediata por meio da ordem judicial antecipada já inclusa na decisão da 1º Vara Federal, com possibilidade de prisão em flagrante e qualificação por crime de desobediência.

O mais grave: comunica ao Conselho Tutelar de Guaíra que acompanhe o protesto e, desde logo, “recolha as crianças e menores indígenas”, que estejam compondo a manifestação, sob o argumento de serem “usadas” pelos Guarani de forma ilegal, em completo desconhecimento sobre a cultura dos indígenas e claro desrespeito ao art. 231 da Constituição Federal.

Para aproveitar o momento, o interdito determina que se adote todas as medidas necessárias e suficientes para garantir o “resguardo da ordem” em toda a região que está sob a responsabilidade da 6ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em especial na Ponte Ayrton Senna e imediações.

A comunidade Guarani recebeu a decisão com estarrecimento, porém asseguram os indígenas que não irão ficar de braços cruzados deixando seus direitos tradicionais serem violados e que, se necessário, irão novamente se manifestar. Os Guarani já tomaram iniciativas legais quanto ao interdito proibitório.

“O que nós fizemos foi uma certidão junto com o Ministério Público Federal exigindo o direito de se manifestar e pedindo que haja a impugnação quanto a essa ação movida pela União e que o juiz acatou”, explica o cacique Ilson Soares Karai, da aldeia Y’Hovy.

Outras medidas também estão sendo adotadas pelos Avá-Guarani. Denúncias foram encaminhadas à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF e à Fundação Nacional do Índio (Funai) com o objetivo derrubar a decisão. “Se necessário for, vamos manifestar de novo”, afirma o cacique Avá-Guarani. Razões aos Guarani não faltam.

“Essa situação muito nos preocupa, ainda mais agora que saiu a decisão do julgamento da Tekoha Guasu Guavirá que por unanimidade o TRF-4 manteve a suspensão do processo de demarcação, estamos sem saída porque o processo da terra tá suspenso por um prazo ainda indeterminado e caso haja demora nessa decisão, vai paralisar de vez o processo e nós estamos com o direito de se manifestar negado, isso é difícil”, denuncia o cacique.

Conforme o advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Rafael Modesto dos Santos, “nossa Carta Política de 1988, no seu art. 5º, XVI, garante a todos os brasileiros o direito de livre manifestação das ideias e liberdade de reunião, sendo vedado o anonimato”.

Para os indígenas isso tem importância singular, “pois além de garantir aos povos tradicionais o que sempre lhes foi vedado, que é a garantia de liberdade de manifestação sobre seus direitos tradicionais e em especial à terra, é a garantia de tirá-los do anonimato sombrio, onde por muito tempo foram subjugados pelo regime tutelar orfanológico”, explica o advogado.

A origem da decisão

O caso que gerou a ação de Interdito Proibitório envolve um protesto iniciado na manhã do dia 25 de março. Por volta de 200 indígenas bloquearam a Ponte Ayrton Senna, que liga Guaíra e Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul, contra a municipalização dos serviços de saúde indígena e o desmonte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

A Ponte Ayrton Senna, no entanto, é utilizada pelos movimentos sociais e populares como local de manifestação, tendo em vista a extrema importância da rodovia para o trânsito interestadual e internacional de mercadorias e pessoas. “O local é estratégico, pois é um dos acessos do Paraná ao Paraguai. Nossa causa tem mais visibilidade quando o protesto ocorre na ponte”, explica o cacique Ilson Soares Karai, da aldeia Y’Hovy.