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Cimi entra com pedido de amicus curiae na ação que visa anular a MP 870

Indígenas reunidos na manifestação do Janeiro Vermelho em Brasília. Foto por Tiago Miotto da Ascom/Cimi

Indígenas reunidos na manifestação do Janeiro Vermelho em Brasília. Foto por Tiago Miotto da Ascom/Cimi

Por Verônica Holanda*

Após o Partido Socialista Brasileiro (PSB) ajuizar no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6062 [1], contra a Medida Provisória (MP) 870, o Cimi ingressou com um pedido para se tornar amicus curiae no processo. Tal ação visa declarar inconstitucional a transferência das competências relacionadas à demarcação de terras indígenas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e as regras do Decreto 9.667/2019, que detalham a transferência e concentram as funções retiradas da Funai na Secretaria de Assuntos Fundiários do Mapa.

“O amicus curiae é uma pessoa estranha ao processo que pode contribuir à Corte com elementos para poder fazer com que o relator tenha mais conhecimento da matéria, de uma forma mais equilibrada e mais justa”, explica Rafael Modesto, da assessoria jurídica do Cimi. Tal mecanismo ajuda a democratizar as decisões, visto que ajuda a garantir uma participação maior da população em julgamentos.

Uma das condições para que a entidade possa ser habilitada como amicus curiae é ter expertise na matéria. No caso do Cimi, a habilitação pode ser concedida porque a entidade, surgida em 1972, possui vasta experiência com a causa indígena, contribuindo inclusive com a afirmação dos direitos na Constituição de 1988, resguardados nos artigos 231 e 232. Além disso, já foi recebido em tal qualidade pelo então ministro do STF, Edson Fachin, na CPI da Funai e do Incra.

Organizações indígenas também pediram ao STF para serem admitidas como “amigas da corte” na ADI 6062. Entre elas, o Conselho Terena, a Coordenação das Organizações Indigenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Diversas organizações, pesquisadores e procuradores [2] também vêm questionando a constitucionalidade das medidas iniciais do governo Bolsonaro voltadas aos povos indígenas.

O próprio Ministério Público Federal (MPF), por meio de sua Sexta Câmara, considera que a MP 870 é inconstitucional [3] e viola o direito de Consulta Prévia, Livre e Informada dos povos indígenas, previsto pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.

“É uma afronta à Convenção 169, que prevê a consulta aos índios para poder efetivar uma determinada política. Essa medida também afronta a dignidade humana, que é a base de sustentação, o pilar da nossa Constituição, assim como o artigo 231, ao tempo que há claro conflito de interesses, visto que o MAPA é uma pasta gerida por uma ruralista, a ministra Tereza Cristina”, relata o advogado.

Conforme consta na publicação “Congresso Anti-Indígena [4]”, a ministra assumiu em 2018 a presidência da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) no lugar do deputado Nilson Leitão (PSDB/MT). Recebeu doações do Banco BTG Pactual, investigado pela Operação Lava Jato. Em festa promovida pela FPA devido à aprovação do projeto “PL do Veneno”, que facilita o uso de agrotóxicos, a parlamentar recebeu o apelido de “Musa do Veneno”.

A ministra possui também interesses familiares em terras indígenas do Mato Grosso do Sul, onde parentes seus, proprietários de uma fazenda que incide sobre a Terra Indígena Taunay-Ipegue, entraram na Justiça pedindo reintegração de posse contra uma comunidade Terena [5] que vive na área.

Além disso, a Secretaria de Assuntos Fundiários está sob a gestão de Nabhan Garcia, integrante da União Democrática Ruralista (UDR), e conta com Luana Ruiz como secretária adjunta, cuja família disputa a posse de terras com os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul e é advogada de fazendeiros em vários processos judiciais contra indígenas [6] – fato denunciado pelo Cimi à Procuradoria-Geral da República (PGR). Ela também declarou inúmeras vezes, tanto nas redes sociais quanto nos veículos jornalísticos, o posicionamento contra os povos, afirmando que “é preciso cortar as pernas da Funai”, “o câncer (…) é o estudo da terra pelo antropólogo” e “não se fala em território indígena, o território é um só: o território da nação”.

Outro elemento a se ressaltar é que um dos períodos de maior violência contra os povos indígenas no passado recente se deu durante o período em que o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), substituído pela Funai em 1967, estava abrigado no Ministério da Agricultura. Tais relatos constam no relatório Figueiredo [7], como espancamentos, agressões de toda forma, trabalho escravo, mortes e até crucificação de indígenas. Tais violências só foram reduzidas quando os processos de demarcação foram repassados ao Ministério da Justiça.

“Vemos com preocupação o fato do MAPA ser responsável pelos procedimentos de demarcação, porque a gente sabe que isso foi feito justamente para frear a marcha constitucional de demarcação e a garantia dos direitos de povos indígenas”.

*Estagiária sob supervisão de Tiago Miotto da Ascom/Cimi