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Resposta ao governo Bolsonaro será com mobilização nas aldeias e nas ruas: um #JaneiroVermelho contra a MP 870

Em Santarém (PA), ato do #JaneiroVermelho vai da Ufopa à Cargil, multinacional do agronegócio. Crédito: Ingrid Paranatinga

Por Adilvane Spezia, da Assessoria de Comunicação – Cimi/Mobilização Nacional Indígena

Com objetivo de denunciar a crescente ameaça aos povos indígenas e seus territórios têm sofrido, e se intensificado de maneira dramática com a Medida Provisória (MP) 870/2019, primeira medida do governo Jair Bolsonaro, foram realizados atos em pelo menos 60 municípios do Brasil e no exterior, conforme levantamento da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), entidade organizadora da campanha #JaneiroVermelho – Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais”. As manifestações, que encerram o mês de ações país afora, receberam o apoio da Mobilização Nacional Indígena (MNI), movimentos populares e da sociedade sensível à causa indígena. Os atos refletiram um alerta, chamando a atenção para o descaso e a violência com que os indígenas têm sido tratados no país.

As manifestações tiveram como pauta a proteção dos direitos indígenas previstos na Constituição Brasileira e a demarcação das Terras Indígenas. Conforme aponta Sônia Guajajara, da coordenação da Apib, durante a coletiva de imprensa realizada em frente à sede do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em Brasília, “a garantia territorial é a principal bandeira de luta dos povos indígenas do Brasil. Trazer as demarcações para o Mapa é uma manifestação clara deste governo de que ele não pretende mais demarcar Terras Indígenas, porque elas estão entregues agora ao agronegócio”.

“Estamos em atos em todo Brasil e no exterior contra essa transferência da FUNAI, que estava no Ministério da Justiça, para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, essas mudanças são só para paralisam as demarcações das Terras Indígenas, como flexibilizam e transferem o licenciamento ambiental para o Mapa”, explica Sônia. Uma das providências mais danosas da MP 870, apontada como inconstitucional por procuradores da República, é que a atribuição de identificar, demarcar e registrar as terras indígenas (TIs) será agora da Secretaria de Assuntos Fundiários do Mapa, promovendo o esvaziamento da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. A MP 870 retirou também a Funai do Ministério da Justiça e realocou-a no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, pasta comandada por Damares Alves, pastora evangélica denunciada pelo sequestro de uma criança indígena, de acordo com reportagem da revista Época que chega às bancas neste final de semana [1].

“As demarcações das terras indígenas, se não for feita pelo Executivo, será feita pelo nosso povo, será feita a autodemarcação dos territórios. Uma vez que o Estado não cumprir o que está na Constituição Federal, os povo indígenas vão se amparar nela e fazer com que nossos direitos sejam cumprido”, explica Lindomar Terena, cacique e liderança do Conselho Terena, no Mato Grosso do Sul.

Já a deputada federal pela Rede/RR, Joênia Wapichana, primeira mulher indígena eleita para o Congresso, destacou que a reforma ministerial busca desmontar os órgãos indigenistas e ambientais. “Proteger as Terras Indígenas não é uma questão de ideologia, mas um dever constitucional que todos nós brasileiros temos que defender”, afirma a deputada que tomou posse nesta manhã na Câmara do Deputados.

Outras duas pautas tiveram destaque neste #JaneiroVermelho, e surgiram em cartazes e discursos nas manifestações: contra o desmonte da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) com municipalização da saúde dos povo tradicionais e pelo restabelecimento da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação, fechada pelo governo Bolsonaro. Na Secadi havia a Diretoria de Diversidade, comandada por Rita Potiguara, e lá eram tratados os temas de Educação Escolar Específica, tanto para os povos indígenas quanto para os quilombolas.

Em São Paulo, a mobilização ocorreu na Av. Paulista, com concentração no vão do Masp, e conforme informações do CTI reuniu 4 mil manifestantes. Crédito: Rafael Parente Sá Martins/Cimi Sul

Indígenas trancam rodovias

Na Bahia, os indígenas Tupinambá de Olivença da Aldeia de Itapuã fecharam a BA-001, na altura do Parque de Olivença, exigindo a demarcação do território. O procedimento está paralisado por decisões políticas e por interesses econômicos, o que tem gerando uma série de violências contra o povo, além de perseguições e ataques às lideranças. O grupo repudia as falas e postura do governo Bolsonaro e exige ainda a instalação de quebra-molas nas imediações da aldeia, além de revista a situação do transporte coletivo que atende a região.

Já no Espírito Santo, a Rodovia ES-010 foi fechada pelos povos Tupiniquim e Guarani. Estes povos exigem a demarcação imediata dos territórios indígenas. Por sua vez, na Paraíba, o povo Potiguara fechou a BR-101, sentido Rio Grande do Norte, perto de Mamanguape. O protesto atacou a MP 870 e a proposta que circula de municipalização da saúde indígena.

A rodovia federal BR-386 na divisa entre os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, município de Iraí (RS), foi bloqueada pelo povo Kaingang. A intervenção iniciou pela manhã e seguiu pela parte da tarde, conforme explica o cacique da Terra Indígena Rio dos Índios, Luís Salvador Kaingang: “estamos juntos na mobilização nacional pelos nossos direitos, nenhuma gota a mais de sangue dentro do Brasil”. o povo Kaingang tem sofrido muitas perseguições e criminalizações nos últimos anos. “Não queremos nenhuma gota a mais de sangue dos nossos parentes. Lutamos pelos direitos que estão garantidos na Constituição Federal”, afirma o cacique da Terra Indígena Goj Veso, Isaías Kaingang.

Para o #JaneiroVermelho, na Paraíba, o povo Potiguara fechou a BR-101, sentido Rio Grande do Norte, perto de Mamanguape. Crédito: Genildo Potiguara

Diálogo com a sociedade sobre a luta dos povos

O maior número de manifestações foram realizadas em áreas urbanas, praças, ruas, avenidas e demais espaços públicos com a intenção de chamar a atenção de outros setores da sociedade. Em Aquidauana, no Mato Grosso do Sul, aproximadamente 70 indígenas do povo Terena, junto a estudantes dos povos Guarani Kaiowá e Xokleng, realizaram uma mobilização ainda no dia 30 em defesa dos direitos indígenas. Na tarde do dia 31, outra manifestação foi realizada na capital, Campo Grande.

“Estamos acompanhando o movimento nacional, contra a ida das demarcações de terras para a Agricultura. Sabemos que a Tereza Cristina é a líder da bancada ruralista e, quando o governo joga na mão dela as demarcações de terras indígenas, está dizendo não ao nosso povo e aos nossos direitos territoriais”, afirma o professor Alberto Terena, que participou da mobilização.

Já em Santa Inês do Maranhão, os povos Awá, Ka’apor, Guajajara, Tremembé e Gamella realizaram uma marcha pelas principais ruas da cidade. Em Cuiabá, os povos Chiquitano, Xavante, Umutina, Enawenê Nawê, Bakairi, Arara e Bororo realizam um ato na Praça Ulisses Guimarães, entre as denúncias está o genocídios dos povos originários e as invasões de seus territórios.

Povos Kaingang e Guarani se mobilizaram em várias regiões do Sul do país. Crédito: Cimi Regional Sul

“Exigimos o respeito aos direitos dos povos originários, ao meio ambiente, e somos contra a transferência do processo demarcatório da Funai para o Ministério da Agricultura e a municipalização da saúde indígena”, afirma Crisanto Xavante, presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt).

Nonoguari Comaecureudo, do povo Bororo afirma: “o governo federal deve fazer valer a Constituição de 1988. Queremos que seja interrompido o assassinato das nossas lideranças, o genocídio dos povos indígenas. Que se respeite nossa cultura, nossas religiões, que seja garantida a demarcação das nossas terras e que a saúde indígena permaneça na Sesai”.

Em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a mobilização à tarde, no centro da cidade, com a leitura de uma carta da comunidade Guarani Mbya local, da aldeia Guaviraty Porã. Na oportunidade, indígenas conversaram sobre o contexto local e nacional e os Guarani fizeram apresentações culturais, com cantos e o tradicional Xondaro. Em Curitiba, o ato  contou também com o apoio da atriz e cantora Letícia Sabatella, realizado em frente à universidade do Paraná, que além do ato também teve uma Mesa de Diálogo sobre os direitos dos povos indígenas no Ministério Público Federal. Ainda no Sul do país, só que nesta sexta-feira, 1 de fevereiro, Chapecó recebeu uma ação dos Kaingang e Guarani.

Em Zurique, na Suíça, um #EleNão feito com laranjas da marca Queiroz. #JaneiroVermelho ocorreu ao redor do globo

Os manifestantes do ato no Rio de Janeiro, capital, ocuparam a escadaria da Assembleia Legislativa do Estado, com o objetivo de denunciar a violência que os povos tem sofrido frente a ofensiva adotada pelo governo Bolsonaro. Já em São Paulo, os povos Guarani, Pankararu, Kaimbe, Tariano e vários outros, quase 4 mil pessoas segundo a Apib, reuniram-se em frente ao Masp, na avenida Paulista, em denúncia.

Ao norte do país, em Porto Velho, Rondônia, indígenas também realizaram um ato em defesa dos seus direitos, integrando o #JaneiroVermelho. Participaram da manifestação os povos Karipuna, Canoé, Arara, Purubora, Cassupa, Mamaindé, Guarassungwe, Oro Mon, Oro Nao, Macurap, Sakarabiat, Tupari, Migueleno, Gavião, Karitiana, Uru Eu Wau Wau, Surui.

No Pará, em Santarém, às margens do rio Tapajós, um ato em defesa dos direitos indígenas saiu da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) em direção ao porto da Cargil, empresa multinacional do ramo do agronegócio cuja presença fomentou, na região, o aumento dos conflitos e das violações aos territórios tradicionais dos povos indígenas. Participam da mobilização do #JaneiroVermelho os povos Arapiun, Ararra Vermelha, Borari, Tupinambá, Kumaruara, Munduruku, Wai Wai, Maytapú, Tapuia, Jaraki e quilombolas. Não diferente foi em Tucumã, também no Pará, onde o povo Kayapó realizou manifestações pela parte da tarde.

Já no Nordeste, as ruas de alguns bairros de Fortaleza, capital cearense, foram tomadas pela Marcha da Resistência, realizada por cerca de 2 mil indígenas de todo o Estado. O ato público, contou com a participação de movimentos sociais e faz parte da programação de encerramento da campanha #JaneiroVermelho – Sangue Indígena, Nenhuma Gota a Mais. Cartas foram protocoladas no Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União (DPU) pedindo providências contra a MP 870.

Em Belo Horizonte, indígenas e apoiadores também se manifestaram. Por sua vez, o povo Kaiapó da região de Colider, em Mato Grosso, foram às ruas em defesa dos direitos indígenas. Em Goiânia (GO), os manifestantes denunciaram os ataques a seus direitos, comunidades e territórios, evidenciando sua posição contrária a municipalização da saúde indígena e em defesa da Sesai. Por sua vez, em Rio Branco, no Acre, os povos indígenas realizaram uma manifestação contra os grandes empreendimentos nas terras indígenas e exigindo o protagonismo da Funai nas demarcações de terras.

Na Capital Federal, indígenas e apoiadores se reuniram em frente ao Mapa com o objetivo de denunciar as medidas adotadas pelo governo Bolsonaro, em defesa dos direitos constitucionais indígenas e da Funai. “Estamos porque a causa indígena não é só pela gente, pelos povos indígenas. Essa luta é de todos nós. Em defesa da população, do meio ambiente e do planeta. Já está mais do que comprovado que os territórios indígenas são bens comuns que garantem, inclusive, o equilíbrio climático e a vida no planeta, fruto do modo de vida dos povos indígenas”, afirma Sônia Guajajara.

A expectativa dos povos indígenas do Ceará é que a Marcha tenha sido a primeira de uma intensa jornada de lutas. Crédito: Renato Santana/Cimi

Manifestações nos territórios, local de luta e resistência

Em Goiânia (GO), os povos indígenas e apoiadores manifestaram-se contra os ataques a seus direitos, comunidades e territórios. Crédito: Érika Borba/Mídia Ninja

Os territórios também foram palco das mobilizações. O povo Kisedje na aldeia Khikatxi, Terra Indígena Wawi, no Xingu, Mato Grosso, denunciam a invasão das terras indígenas por fazendeiros e garimpeiros. Já os povos Kawaiwete e Yudjá, do Baixo Rio Xingu, realizaram manifestação em defesa dos direitos garantidos na Constituição, no Polo Diauarum, localizado no Parque Indígena do Xingu (PIX).

Em Amambai, no Mato Grosso do Sul, os Kaiowá e Guarani estão desde o dia 30/01 em mobilização, onde o ato foi organizado pela Kunhangue Aty Guasu, a organização das mulheres Kaiowá e Guarani. Na ocasião rezadoras e rezadores passaram a noite em vigília, em defesa dos povos indígenas. Os Kaiowá e Guarani também mandaram um recado de solidariedade aos atingidos pela barragem da Vale em Brumadinho.

Do exterior, manifestantes enviam apoio à causa indígena

As manifestações do #JaneiroVermelho – Sangue Indígena: Nenhuma Gota a Mais também tiveram repercussões no exterior onde a causa indígena mobilizou apoiadores e manifestantes em Londres, Inglaterra, com ato realizado em frente à Embaixada Brasileira. Na ocasião, manifestantes a favor das demarcações de terras indígenas se somaram ao ato com palavras de ordem de “Nenhuma Gota de Sangue a Mais”.

Em Lisboa, foram realizadas mobilizações em apoio e defesa do direito dos povos originários. Milão, na Itália, foi outra cidade no exterior em que os manifestantes registraram apoio aos povos indígenas e ao #JaneiroVermelho. Não diferente foi em Zurique, na Suíça, e em Edimburgo, na Escócia, onde manifestantes também demonstraram sua solidariedade aos povos indígenas do Brasil.

No outro lado do continente, em Washington D.C, a capital dos Estados Unidos, manifestantes realizaram atos de contrariedade às medidas do governo Bolsonaro, que tem buscado a simpatia do governo Donald Trump a todo custo. “As políticas de Bolsonaro ameaçam as mulheres indígenas”, dizia um dos cartazes da manifestação, que também ocorreu em Nova York, em frente ao Consulado do Brasil.