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Delegação Guarani e Kaiowá em Brasília: “Digam a verdade”

Foto: Laila Menezes/Cimi

Foto: Laila Menezes/Cimi

Por Egon Heck, do Cimi – Secretariado Nacional

“Não nos enganem
Chega de promessas, basta de nos iludir.
Basta dizer a verdade, pois já fizemos trilheiro
No encalço da Funai,
Levamos camionadas de promessas
E nada de nossas terras serem demarcadas.
Fale a verdade, o que você vai fazer?

A terra está gritando.
Ela é nossa mãe.
Será que vão deixar morrer todos
Para só então demarcar nossas terras?
Pelo amor de Deus, façam alguma coisa
Estão querendo tirar nossos direitos.
Não vamos ficar quietos!”

Os Kaiowá e Guarani uma vez mais estão em Brasília com uma delegação de 45 pessoas, para cobrar que a Funai e o Estado brasileiro cumpram a Constituição e demarquem com urgência as terras sagradas de seu povo.

Na terça-feira, 7 de agosto, o presidente da Funai e um grupo de técnicos vieram ouvi-los. Porém, o presidente Wallace Moreira Bastos foi logo informando que não poderia ficar muito tempo, pois já tinha voo marcado para Roraima, para falar com os Waimiri Atroari. Enquanto os Guarani e Kaiowá apresentavam mais uma vez a dramática situação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul, com despejos anunciados, violência e criminalização de lideranças, Bastos não deixou de alardear sua intensa rotina de trabalho, suas muitas viagens e sua agenda lotada.

Foto: Laila Menezes/Cimi

Foto: Laila Menezes/Cimi

A Funai e o agronegócio

Além e expor a gravidade da situação de seus tekoha, várias lideranças mostraram sua estranheza pelo intenso rodízio na troca de presidente da Funai, o que lhes parecia mais manobras do agronegócio. “Quando conseguimos chegar ao coração de um presidente, ele é logo trocado”, comentou uma das lideranças. Nos últimos anos, a permanência dos presidentes da Funai é de menos de meio ano no cargo. “Viemos olhar o novo presidente, que está há três anos no cargo”, disse ironicamente uma liderança.

“Tem ruralista bancando a Funai, ou afundando ela”. Na maioria das falas das lideranças, ficou manifesta a estranheza de tanta burocracia para devolver as terras tomadas das comunidades. São décadas para entregar um relatório e outros tantos anos para concluir uma identificação.

Foto: Laila Menezes/Cimi

Foto: Laila Menezes/Cimi

“O senhor não sente a nossa dor. Queremos que o senhor pise na nossa terra. Já estamos cansados, mas vamos continuar retomando nossas terras, nossos tekoha”, avisou uma liderança.

Eliseu Lopes, membro da Aty Guasu e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), iniciou o debate expondo ao presidente da Funai os principais objetivos da delegação em Brasília e mais especificamente na Funai.

“O primeiro e mais importante objetivo é exigir a publicação das portarias de nossas terras. Que o senhor assuma o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), segundo o qual todas as terras indígenas Kaiowá e Guarani estariam identificadas até o final de 2008. Queremos também que seja revogada a ordem de despejo nas retomadas de Caarapó”.

Eliseu concluiu sua fala alertado: “Não queremos mais ser enganados. Nos resta enfrentar o agronegócio, e continuar retomando nossas terras e sofrer ameaças e ser criminalizados. Isso é uma vergonha para o Brasil”.

Outra liderança completou: “Queremos respostas. A gente não vai desistir”.

Foto: Laila Menezes/Cimi

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O peso do Parecer Antidemarcação

Além de sentirem que pouca coisa andou em relação à demarcação de suas terras, os Guarani e Kaiowá saíram da Funai profundamente preocupados com a possibilidade de novos retrocessos, caso o Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU) seja utilizado como critério para analisar os processos de demarcação.

Publicado pela AGU, o chamado “Parecer Antidemarcação” estabelece o marco temporal – tese ruralista segundo a qual os indígenas só teriam direito às terras que estivessem na posse deles em 5 de outubro de 1988 – como critério para a demarcação de terras indígenas. Desta forma, os indígenas temem que a AGU busque não só inviabilizar o avanço destes processos como até mesmo tente anular seus efeitos.

Lideranças de outros povos já vêm alertando para este fato e os Guarani e Kaiowá prometem ficar vigilantes e combater todo e qualquer golpe contra o coração de seus tekoha.

A seguir, documento entregue na Funai pelas lideranças indígenas:

 

DEMANDAS DE NOSSOS DIREITOS PARA SEREM CUMPRIDOS DE FORMA URGENTE E IMEDIATA PELA FUNAI

 Brasília, 06 de Agosto de 2018

Presidente da FUNAI.
Chefe do CGID.
Chefe do DPT.
Senhor Wallace Moreira Bastos:

Nós lideranças indígenas da Aty Guasu, representando neste momento todas as terras sagradas dos Guarani e Kaiowa sobre as quais hoje esta sobreposto o estado do Mato Grosso do Sul  já estamos cansados da situação de Genocídio – nacionalmente e internacionalmente reconhecida – que tem vitimado gravemente e covardemente nosso povo. Nos últimos 10 anos são mais de 400 mortes de nossos parentes ligadas a situação fundiária e mais um numero incontável por falta de saúde, estrutura e condições mínimas de vida que também é uma conseqüência direta da falta de território. Territórios estes os quais temos pleno direito como prevê a Constituição de 88.

A FUNAI tem uma responsabilidade enorme pelos massacres que temos sofrido e pela dor de nosso povo. Ora por negligencia – falta de prioridade – Ora por submissão ao interesse de Ruralistas, empresários e outros mais que aparelham esse órgão que é nossa esperança de uma vida melhor já fazem mais de 10 anos – justamente o período em que tivemos mais de nossas lideranças mortas – que vocês assumiram a responsabilidade junto ao MPF de demarcar nossas terras tradicionais e até hoje pouco fizeram.

A falta de responsabilidade de vocês é nossa dor e nossa miséria e por isso estamos tendo a coragem de dizer a vocês que buscaremos nosso direito de todos os modos. Buscaremos nossos direitos seja pela nossa reza ou se for preciso pela guerra, até mesmo junto as instancias judiciárias e que são responsáveis pela questão indígena no Brasil. Pediremos que cobrem do senhor e dos chefes de setores, judicialmente e por multas se for preciso a responsabilidade pelo descaminho de nossas famílias. Ou vocês cumpram com suas obrigações ou que sejam responsabilizados.

Ainda, em um ultimo sopro de paciência, acreditando que os senhores não estão  mal intencionados e que podemos resolver essa situação no dialogo e fazendo valer nossos direitos, exigimos:

– A continuação e o imediato cumprimento do TAC (CAC) – firmado com o MPF em 2007 e que tinha o prazo de até 2009 para ser cumprido. Queremos que os senhores nos apresentem de forma imediata o diagnostico e o cronograma de ações para nossos territórios prometido e firmado pelo senhor presidente Toninho em 2016.

– A imediata publicação dos territórios de Guyviry e Apykai pois sabemos que os relatórios já foram conclusos e estão sobre o poder do senhor o ato de sua publicação.

– Que sejam finalizadas de uma vez por todas as analises das contestações das terras de Pyellito Kue (prejudicada por vocês desde 2013), Lagoa Rica – Panambi (prejudicado desde 2012), Ypoi e Dourados-Amambaipegua  (prejudicadas pelos senhores desde 2016) e que sejam de imediato submetidas ao Ministério da Justica para o ato de Declaração.

– Que sejam garantidos – alocados ou contratados novamente os profissionais que foram retirados da FUNAI – procuradores e antropólogos para que o órgão cumpra com seus deveres perante o nosso povo.

– Queremos informações e definições sobre o caso do “Remanso Guasu” retirado dos limites da delimitação e da declaração de Yvy Katu.

Queremos sair daqui com estes compromissos firmados e que para cada um deles haja uma manifestação por escrito e um cronograma bem claro do prazo de seu cumprimento.

Sob os Mbaraka de nossos rezadores este documento foi assinado!

Cumpram nossos direitos !!!