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Munduruku ocupam Funai exigindo audiência e demissão de político nomeado para coordenação


Ocupação da Funai em Itaituba (PA). Foto: Barbara Dias/Cimi Norte 2

Por Renato Santana e Tiago Miotto, da assessoria de Comunicação
Fotos: Barbara Dias/Regional Cimi Norte 2

Lideranças Munduruku do Alto e do Médio Tapajós ocuparam o prédio da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Itaituba (PA), na manhã desta segunda (25). Os indígenas, que exigem uma audiência com o presidente da Funai e a exoneração de um político do PSC nomeado na semana passada para um cargo de chefia na Coordenação Regional da Funai na região do Tapajós, afirmam que só deixarão a sede do órgão depois de terem suas reivindicações atendidas.

Os Munduruku denunciam a nomeação política do ex-prefeito de Aveiro, Olinaldo Barbosa da Silva, conhecido como Fuzica, para a Divisão Técnica (DIT) da Coordenação Regional Tapajós, segundo mais importante cargo na hierarquia da coordenação. A nomeação é uma indicação do PSC, o mesmo partido responsável por indicar os últimos presidentes da Funai, incluindo o atual, general Franklinberg Ribeiro de Freitas.

Durante sua desastrosa passagem pelo ministério da Justiça [1] do governo Temer, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR) chegou a afirmar que a Funai era “do PSC [1], do deputado André Moura”, líder do governo na Câmara dos Deputados. As denúncias de loteamento de cargos na Funai têm sido reiteradas por indígenas e foi reverberada pelo último ex-presidente do órgão indigenista, Antônio “Toninho” Costa, exonerado em maio [1].

“[Fui exonerado] Por não ter atendido o pedido do líder do governo André Moura, que queria colocar 20 pessoas na Funai que nunca viram índios em suas vidas. Estou sendo exonerado por ser honesto e não compactuar com o malfeito e por ser defensor da causa indígena diante de um ministro ruralista”, declarou, à época, Toninho Costa.

“Sabemos que essa é uma tentativa do PSC em se fortalecer para as próximas eleições, não vamos deixar que usem nossos direitos pra seus interesses eleitorais”, afirmam, em carta, o movimento Ipereg Ayu e a Associação Pariri, representações Munduruku. “Só vamos sair da CR de Itaituba com as respostas da nossas demandas e confirmação da presidência da Funai na audiência da aldeia Missão Cururu”.

Audiência com presidente

Os Munduruku também cobram uma audiência com o presidente da Funai para tratar de acordos feitos durante a ocupação do canteiro de obras da Usina Hidrelétrica (UHE) São Manoel [1], no rio Teles Pires. Na ocasião, como contrapartida ao término da ocupação, Franklinberg prometeu fiscalizar os acordos assumidos pelas empresas hidrelétricas com os indígenas.

“Desde que deixamos a ocupação da Usina Hidrelétrica de São Manoel nem a empresa e tampouco o presidente da Funai cumpriram com as promessas que fizeram ao povo Munduruku”, afirma a carta.

Para ser construída, a UHE São Manoel destruiu locais sagrados [2] para os indígenas e removeu urnas funerárias da região, sem avisar nem respeitar os ritos e a espiritualidade dos Munduruku. Por isso, a concessão da licença de operação à usina, liberada pelo Ibama em setembro, é definida por eles como um “desrespeito aos nossos pajés, lideranças, as nossas crianças, aos caciques, guerreiros e guerreiras”.


Indígena cobra de Olinaldo Barbosa, o Fuzica (de óculos) a renúncia ao cargo na Funai

Interferência política

A chefia da DIT, objeto da nomeação criticada pelos indígenas, é um cargo estratégico. Todas as outras funções da coordenação – de gestão ambiental e social, de planejamento e de pessoal – passam pela chancela da DIT, que tem – ou deveria ter – caráter técnico administrativo.

Filiado ao Partido Social Cristão (PSC), Olinaldo Barbosa, mais conhecido como Fuzica, chegou à Prefeitura de Aveiro em agosto de 2010. A então prefeita, Maria Gorete Xavier Dantas, teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Pará. A determinação era para que o segundo colocado assumisse, posto que o terceiro colocado também teve a candidatura cassada.

Em 2012, Fuzica concorreu e permaneceu na Prefeitura com mais de 50% dos votos válidos. A partir daí o prefeito passou a conviver com denúncias de improbidade administrativa, malversação de recursos públicos, acusação de fraudes em licitação, atrasos e irregularidades em repasses. Em agosto de 2014, a Câmara dos Vereadores de Aveiro decidiu por unanimidade afastar Fuzica por 180 dias.

O prefeito ficou longe de suas funções por apenas nove dias. O juiz Marcelo Gomes, da Justiça Estadual de Itaituba, atendeu a pedido liminar da defesa de Fuzica sob o argumento de que ele não teve direito a ampla defesa e o reintegrou ao posto. Ao mesmo tempo, blogueiros e sites da região divulgaram fotos de Fuzica e sua família em praias do país.  

A situação chegou ao Ministério Público, que em julho de 2015 encaminhou à Justiça Federal de Itaituba uma denúncia contra Fuzica por improbidade administrativa baseada em dois processos. No entanto, o social-cristão chegou ao fim do mandato e se candidatou à reeleição em 2016; ficou em quarto lugar. Em janeiro deste ano, sob vaias, transmitiu o cargo para o madeireiro e filiado ao PMDB, Vilson Gonçalves.


Falta de consulta

Os e as Munduruku também cobraram da Funai o respeito a seu protocolo de consulta. “A gente não aceita esse tipo de pessoa, a gente quer pessoas que têm compromisso com os povos indígenas. Na ocupação do canteiro de obras [da UHE São Manoel], o presidente da Funai disse que estava considerando o protocolo de consulta Munduruku, mas ele não está cumprindo o acordo que fez conosco”, critica Kabaywun Munduruku, uma das muitas mulheres indígenas que participam da ocupação.

Após a pressão dos indígenas, Fuzica assinou um documento, enviado à sede nacional de Brasília, afirmando que não irá assumir o cargo. Os indígenas afirmam que permanecerão em alerta, até que a revogação da nomeação política seja publicada no Diário Oficial da União.

Clique aqui para ler a carta divulgada pelos indígenas na ocupação [3]