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No Acre, lideranças indígenas e extrativistas são ameaçadas por se posicionarem contra políticas de “economia verde”


Fotos: Tiago Miotto / Cimi

Em encontro realizado na cidade de Xapuri (AC) [1], de 26 a 28 de maio, povos da floresta criticaram as políticas de economia verde e demonstram preocupação com novos acordos discutidos entre o governo e a indústria de aviação. Na ocasião, representantes de cinco povos indígenas e de comunidades tradicionais que vivem e trabalham na floresta apresentaram denúncias de impactos de projetos de economia verde. O argumento é de que as políticas de compensação de carbono preveem restrições às comunidades, como limitações para práticas de agricultura, pesca, caça e uso de bens florestais.

Por assegurarem a posição contra as ações que violentam o direito aos territórios tradicionais e que apresentam uma falsa solução à crise do clima, indígenas, seringueiros e outros participantes do encontro receberam constantes ameaças. “Muitas dessas lideranças passaram a ser pressionadas e ameaçadas pelos "donos do poder no Acre", denuncia a carta de moção de repúdio e solidariedade divulgado por entidades que trabalham com esses povos e comunidades. “Não há necessidade de colocar o futuro destes povos e comunidades em risco através de projetos questionáveis e nebulosos”.

“Entendemos que, na medida em que a falência do modelo subjacente das políticas e dos projetos ambientais e climáticos em questão se torna obvia, sua defesa por parte daqueles que tem seus interesses particulares entrelaçados com tais políticas e projetos tende a se tornar cada vez mais repressiva e violenta”, sustenta a moção.

O texto garante que as ações de afronta são “tentativa de intimidar ou censurar as pessoas e organizações que criticam e se opõem ás políticas ambientais e climáticas que vêm sendo implementadas pelo governo do Acre”. No Brasil, o Acre é considerado um laboratório para implementação de políticas baseadas na ideia de que é possível compensar poluição gerada em determinadas regiões – prevalentemente Europa e América do Norte – com a manutenção de florestas em outras regiões. A economia “verde” pretende ampliar os lucros das corporações, instituições financeiras e de outras organizações protagonistas dessa proposta, como empresas de consultoria e grandes ONGs preservacionistas.

“Denunciamos e repudiamos especificamente as tentativas do governo do Acre e de organizações não governamentais ligadas a ele, de difamar tais críticos, ao alegar que os questionamentos por eles articulados inviabilizariam a chegada de recursos que poderiam beneficiar povos das florestas no Acre”, ressalta a nota.  

Leia também:
Organizações pedem que Governo Federal rejeite inclusão de florestas brasileiras no mercado de carbono [2]
Povos da floresta e territórios: serviços ou direitos? [3]

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O documento exige posicionamento da Fundação Nacional do Índio, acusada pelas lideranças de intensificar as intimidações aos funcionários que colaboram com a posição assumida. “Exigimos ainda, que a FUNAI cumpra sua missão, que consiste em proteger e promover os direitos dos povos indígenas. Com tais intimidações, a FUNAI fere mais uma vez os direitos à livre expressão destes povos”.

As propostas de compensação de carbono, que surgem em um contexto de negociações internacionais e em uma conjuntura nacional de crise, trazem restrições a comunidades ribeirinhas, indígenas, pequenos agricultores, extrativistas que são proibidos de cultivar seus espaços, de uso tradicional da mata. Violações culturais e sociais são impostas a esses grupos que se relacionam com a natureza de forma saudável e autônoma. Os mecanismos implantados pelos offsets florestais preveem restrições às comunidades tradicionais, como limitações para práticas de agricultura, pesca, caça e uso de bens florestais.

Projetos, como o Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Evitados (REDD) [5], propõem que empresas que poluem em outros continentes possam “compensar” os danos causados a natureza financiando iniciativas que, de maneira autoritária e sem consulta prévia das comunidades, instalam normas de relação com a terra. Além dos governos de países desenvolvidos, indústrias poluidoras são as principais financiadoras das iniciativas de economia verde. Não se pensa outro modelo de desenvolvimento, mais sustentável e auto gestor. As empresas continuam poluindo e desmatando. Com a “compra de créditos de carbono” são autorizadas a seguir sua lógica de mercado.

Instituições que desejarem assinar a Moção de Repúdio e Solidariedade devem enviar e-mail para [email protected] até o dia 28 de julho. A moção de repúdio será encaminhada ao Governo do Acre, Ministério da Justiça, FUNAI/Brasília, Ministério Público Federal (MPF) do Acre, 6ª Câmara do MPF-Brasília, KFW/Governo da Alemanha.

Leia o documento na íntegra abaixo:

Moção de repúdio e solidariedade

No período de 26 a 28 de maio do corrente, realizou-se em Xapuri no Acre, o Encontro “Os efeitos das políticas ambientais/climáticas para as populações tradicionais”. Além da publicação da Declaração de Xapuri, foram divulgados também vídeos com falas de lideranças indígenas, seringueiros e outros participantes do referido evento. Desde então, muitas dessas lideranças passaram a ser pressionadas e ameaçadas pelos "donos do poder no Acre".

Indignados com mais essa agressão aos direitos desses povos e populações que vivem nas e das florestas, nós que participamos do referido Encontro e demais apoiadores das lutas desses povos e populações da Amazônia, manifestamos nosso veemente repúdio a toda e qualquer tentativa de intimidar ou censurar as pessoas e organizações que criticam e se opõem ás políticas ambientais e climáticas que vêm sendo implementadas pelo governo do Acre.

Denunciamos e repudiamos especificamente as tentativas do governo do Acre e de organizações não governamentais ligadas a ele, de difamar tais críticos, ao alegar que os questionamentos por eles articulados inviabilizariam a chegada de recursos que poderiam beneficiar povos das florestas no Acre.  Sabemos que o governo possui suficientes recursos para resguardar os direitos e atender os legítimos interesses dos povos indígenas e comunidades locais. Não há necessidade de colocar o futuro destes povos e comunidades em risco através de projetos questionáveis e nebulosos. O governo deveria agir com transparência acerca da aplicação dos recursos que já recebeu através de tais projetos e com isto revelaria  quem são seus verdadeiros beneficiários.

Exigimos que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) pare de intimidar funcionários que participam nestas discussões e articulações da sociedade civil. Exigimos ainda, que a FUNAI cumpra sua missão, que consiste em proteger e promover os direitos dos povos indígenas. Com tais intimidações, a FUNAI fere mais uma vez os direitos à livre expressão destes povos.

Entendemos que, na medida em que a falência do modelo subjacente das políticas e dos projetos ambientais e climáticos em questão se torna obvia, sua defesa por parte daqueles que tem seus interesses particulares entrelaçados com tais políticas e projetos tende a se tornar cada vez mais repressiva e violenta. Como já disse o filósofo Paul Valery: quem não pode atacar o argumento, ataca o argumentador.

Não podemos tolerar a continuidade desses ataques! Por isso, reiteramos o nosso apoio à Declaração de Xapuri. Reafirmamos nossa solidariedade com todos e todas que sofrem ameaças ou represálias em consequência da firmeza de seu posicionamento político em defesa dos seus territórios contra a exploração incessante do capital: vocês não estão sozinhos!