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Pacote de despejos da Justiça Federal leva tensão a aldeias Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul


Crédito das fotos: Rafael de Abreu



Por Renato Santana, da Assessoria de Comunicação – Cimi

A 2ª Vara da Justiça Federal de Dourados (MS) determinou o despejo de três tekoha – lugar onde se é – Guarani e Kaiowá da demarcação Dourados Amambai Peguá I. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu no último final de semana a reintegração do tekoha Kunumi Vera, também conhecido como Toro Paso, mas as decisões pela retirada das famílias indígenas dos tekoha Ñamoy Guavira’y e Jeroky Guasu ainda estão mantidas e aguardam recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai). As terras ficam entre os municípios de Caarapó e Dourados.

Os pedidos de reintegração foram impetrados por proprietários de fazendas incidentes nas áreas de ocupação tradicional dos Guarani e Kaiowá. Nas decisões de primeira de instância, a Justiça Federal obriga a Funai a retirar os indígenas dos tekoha em um prazo de cinco dias. Caso o órgão indigenista estatal não consiga realizar o despejo, está autorizado o uso de força policial. "Todo mundo tá nervoso porque vem mais violência. Nossa terra é ali e não tem mais pra onde ir. Nosso povo tem o direito e quer viver em paz", explica Otoniel Ricardo Guarani e Kaiowá.


No caso do tekoha Kunumi Vera, onde o agente de saúde Guarani e Kaiowá Clodiodi Aquileu de Souza, de 26 anos, foi assassinado em 14 de junho deste ano [1], foi a segunda tentativa de despejo nos últimos seis meses. O Ministério Público Federal (MPF) pediu em agosto a prisão preventiva dos fazendeiros envolvidos no assassinato [2] em ataque paramilitar ao Kunumi Vera que deixou outros seis feridos a tiros. Como os nomes dos detidos foram omitidos por força de segredo de justiça, não é possível saber se os fazendeiros que pediram as reintegrações estão envolvidos na investigação.




“A gente retomou os tekoha que tão com despejo porque deles que nossos pais e avós foram retirados. Tiraram e colocaram a gente do Tey’Kue. Estamos confinados ali. Funai começou a demarcar, comprovou que é nossas terras tradicionais os tekoha”, explica Otoniel. Entre a primeira e a segunda metade do século 20, as políticas estatais tratavam de retirar à força os Guarani e Kaiowá das aldeias para confina-los em reservas. Uma delas foi Tey’Kue, vizinha ao Tekoha Guasu, como os indígenas chamam a demarcação Dourados Amambai Peguá I.    

No interior da Dourados Amambai Peguá I estão diversos tekoha retomados pelos Guarani e Kaiowá nas últimas décadas – Paí Tavy Terã, Ñandeva, Ñamoy Guavira’y, Jeroky Guasu, Tey’Jusu, Kunumi Vera, Guapo’y, Pindo Roky e Itagua. Sem a conclusão do procedimento demarcatório, os indígenas sofrem sucessivos ataques de pistoleiros e fazendeiros, além de despejos judiciais. “Decidimos pela autodemarcação porque o governo federal não demarca. Isso gera a violência e as reintegrações”, diz Eliseu Guarani e Kaiowá.

Integrante da Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, o indígena é integrante do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e representando seu povo esteve na Organização das Nações Unidas (ONU) e no Parlamento Europeu denunciando assassinatos, retiradas forçadas e a não garantia dos direitos indígenas regidos pela Constituição Federal e Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Neste ano a gente conseguiu mostrar para o mundo o que acontece com o povo indígena no Brasil”, diz Eliseu.   

A Relatora da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, esteve em visita aos Guarani e Kaiowá em março. No dia em que seguiu viagem para visitar o povo Tupinambá, na Bahia, o tekoha Kurusu Ambá, por onde passou, foi atacado por pistoleiros e fazendeiros. Durante Assembleia da ONU, em outubro, apresentou um relatório recomendando ao governo brasileiro [3] que demarque as terras tradicionais dos Guarani e Kaiowá, além de preocupações com os despejos, suicídios e violência de toda ordem.


Já os eurodeputados estiveram no Mato Grosso do Sul no início deste mês depois do Parlamento Europeu ter emitido uma Resolução Urgente [4], em novembro, recomendando aos países membros que insiram em suas políticas comerciais com o Brasil o respeito aos direitos humanos e territoriais dos povos indígenas. “É urgente dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani e Kaiowá. Muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais”, diz a resolução.