- Cimi - https://cimi.org.br -

Aldeias Pataxó podem ser despejadas a qualquer momento por ação do governo federal

Seis aldeias Pataxó da Terra Indígena (TI) Comexatibá, no extremo sul da Bahia, podem sofrer ação de despejo a qualquer momento. Caso a ação ocorra, a responsabilidade será exclusiva do governo federal: os procuradores da Advocacia-Geral da União (AGU) entraram com o pedido de reintegração de posse na Justiça Federal de Eunápolis (BA) representando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Os Pataxó decidiram resistir no território tradicional. A decisão de primeira instância autoriza o apoio da Polícia Militar aos efetivos da Polícia Federal. Em 2013, os Terena foram vítimas de ação semelhante: na ocasião, policiais federais e militares investiram contra os indígenas e Gabriel Oziel Terena acabou morto a tiros de arma de fogo [1].

A ação movida pelo ICMBio visa a retirar os indígenas de dentro de parte do Parque Nacional do Descobrimento, unidade de conservação da mata atlântica gestada pelo órgão ambiental ligado ao Poder Executivo (saiba mais aqui [2]). O parque incide sobre a TI Comexatibá, já identificada e delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) [3] como terra tradicional do povo Pataxó.

A procuradoria da Funai, também integrante da AGU, poderia entrar com um pedido de suspensão de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a decisão política do governo federal é de não o fazer.

Representantes do governo tentam apenas negociar a suspensão da execução do despejo, mas não o indeferimento completo da ação de reintegração de posse, o que mantém a insegurança para os indígenas.

O despejo está programado para acontecer até o dia 18 de março, um dia depois da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, encerrar sua visita ao Brasil [4]. No último domingo, a relatora esteve com os Pataxó de Comexatibá na aldeia Serra do Padeiro [5], Terra Indígena Tupinambá de Olivença. Victoria ouviu os representantes Pataxó.

“O ICMBio diz que protege o meio ambiente, o Parque do Descobrimento. Por isso eles falam que a gente tem de sair. Agora eles permitem que fazendeiros destruam a mata com suas grandes máquinas, caçadores, todos esses empreendimentos de turismo. Cansamos de denunciar essa gente e o ICMBio não fez nada, ficou assistindo e dizendo que a gente é que desmatava”, declarou Kamaiurá Pataxó.

Kamaiurá afirmou que o povo não arredará os pés do território. O clima é de tensão, com mulheres, crianças e idosos sem saber como será o futuro, mas “vamos resistir. Se querem acabar com o povo Pataxó, que eles comecem agora porque estamos preparados para lutar”, frisou Kamaiurá.

Victoria disse ao indígena que a questão de parques de conservação ambiental incidentes em terras indígenas serão alvo de investigação de sua relatoria. “Se criam um parque e permitem a degradação ambiental, me parece que há um problema (…) o governo brasileiro precisa para de emendar a Constituição Federal e fazer aquilo que é certo, garantir o direito indígena”, afirmou a relatora da ONU.


No momento, as polícias federal e militar, que devem executar o despejo, já estão reunidas no município de Prado (BA), mesmo em que fica a Terra Indígena. Indígenas denunciam que agentes da Polícia Federal e funcionários do ICMBio estão indo até as comunidades e ameaçando os indígenas com a possibilidade de um despejo violento.

Se a reintegração de posse acontecer, mais de 300 pessoas, entre crianças, adultos e idosos, serão removidas de seis aldeias e quatro escolas indígenas terão seu ano letivo interrompido.

Despejo pode ser o segundo na mesma Terra Indígena em dois meses

Parte das aldeias Cahy e Gurita fica fora da área do Parque Nacional do Descobrimento e, em janeiro, elas foram alvo de um violento despejo executado pela polícia [6], decorrente de outra ação de reintegração de posse contra os indígenas. Na ocasião, as casas dos indígenas foram destruídas, muitas delas ainda com seus pertences, e 75 famílias ficaram desalojadas até a decisão de reintegração ser suspensa – o que aconteceu três dias depois da ação [7].

Duas ordens de reintegrações de posse durante visita da ONU

A reintegração de posse na TI Comexatibá é a segunda que está programada para ocorrer enquanto a relatora especial da ONU, Victoria Tauli-Corpuz, visita o Brasil.

Uma outra ação de reintegração de posse, esta contra o povo Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Taquara, no Mato Grosso do Sul [8], deve ocorrer até o dia 17 de março – último da visita da relatora ao Brasil, quando a relatora realizará uma coletiva de imprensa para falar sobre suas impressões durante os dez dias de visita ao país.

Além da Bahia, a relatora também visitou os estados do Pará e do Mato Grosso do Sul. Neste último, logo após sua visita, pelo menos duas comunidades indígenas do povo Guarani e Kaiowá foram atacadas a tiros [9]. Em uma delas, um indígena foi baleado [10], mas não corre risco de morte.