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Acampamento Guarani Kaiowá sofre ataque a tiros após visita da ONU

Pistoleiros a cavalo e em caminhonetes realizaram dois ataques a tiros contra os indígenas Guarani Kaiowá do tekoha Kurusu Ambá, no município de Coronel Sapucaia (MS), fronteira com o Paraguai. O primeiro ataque ocorreu na última quinta, 10, poucas horas depois da comunidade ter recebido a visita da Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz. O segundo ataque ocorreu na tarde desta sexta, 12. Ninguém ficou ferido. Os indígenas aguardam a chegada das forças de segurança pública no local.

Segundo a liderança indígena Ava Jeguaka Rendy Ju, após a saída da comitiva da relatora – que chegou ao acampamento escoltada por três viaturas da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal, além da própria segurança da ONU -, um grupo de homens armados a cavalo se aproximou da cerca que separa a área retomada da fazenda Madama, propriedade rural que incide sobre o território reivindicado, e disparou tiros contra um dos rezadores da comunidade.

"Meu pai estava levantando uma casinha, quando ouviu um tiro. Depois eles começaram a disparar mais e meu pai saiu correndo com medo", relata Rendy Ju. No dia seguinte, à tarde, jagunços a cavalo e mais duas caminhonetes também se aproximaram da área retomada pelos indígenas, e novamente dispararam tiros contra os Kaiowá. "Não dormimos bem essa noite, estamos vigiando tudo. Nós não aguentamos mais denunciar isso. Tem que prender eles, desarmar eles. A Força Nacional tem que vir pra cá", pede o indígena.

Em 31 de janeiro, os três acampamentos que compõem o Kurusu Ambá sofreram um ataque violento [1] de pistoleiros em ao menos três caminhonetes, que atacaram a tiros os indígenas e incendiaram todos os barracos [2] da comunidade. Em junho de 2015, Kurusu foi vítima de um ataque semelhante [3]. Desde 2007, quatro lideranças do tekoha foram assassinadas no contexto da luta pela terra.

Nesta quinta e sexta-feira, Tauli-Corpuz visitou comunidades Guarani e Kaiowá em conflito fundiário, e também teve um encontro com lideranças Terena em Campo Grande. Além do Mato Grosso do Sul, a relatora irá visitar comunidades indígenas nos estados do Pará e da Bahia.

Outra aldeia Kaiowá também visitada pela relatora, o tekoha Taquara, no município de Juti, pode ser despejado [4] ainda durante as agendas da ONU no Brasil, que terminam dia 17.


Histórico

Há quase uma década, o tekoha Kurusu Ambá está em processo de identificação e delimitação. Com os prazos estourados, o relatório de identificação sobre a área deveria ter sido publicado pela Funai em 2010, segundo Termo de Ajustamento de Conduta estabelecido pelo Ministério Público Federal em 2008. No entanto, o relatório foi entregue pelo grupo técnico somente em dezembro de 2012, e ainda aguarda aprovação da Funai de Brasília.

Neste período, além dos ataques, os indígenas tem sofrido uma série de ações judiciais de reintegração de posse, que visam garantir a permanência dos proprietários rurais no local. Em março de 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decisão de reintegração de posse contra Kurusu Ambá, garantindo a permanência das famílias em parte da área.

Desde 2007, quatro indígenas foram assassinados no local – uma delas, a rezadora Xurite Lopes, de 70 anos, na mesma fazenda Madama. Nenhum inquérito [5] sobre os assassinatos foi concluído. Os assassinos nunca foram levados a julgamento.

O contexto conflituoso com fazendeiros dificulta, também, o acesso à saúde dos indígenas. Em janeiro deste ano, uma criança faleceu por falta de atendimento médico [6], segundo os indígenas. A comunidade também sofre uma grave insegurança alimentar, passando fome e bebendo água contaminada [7].