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Poder Judiciário é esperança de justiça mínima aos povos indígenas

Decisões favoráveis aos Guarani-Kaiowá em MS ressaltam importância do reconhecimento de direitos

A Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário, no contexto da atuação dos órgãos jurídicos na demanda da disputa do território indígena, vem enfatizar três significantes decisões para o povo Guarani-Kaiowá, prolatadas no último mês, referentes às terras Kurusu Ambá II, Passo Pirajú e Pacurity, localizadas no Mato Grosso do Sul.

Em 16 de março de 2015, foi publicada decisão [1] do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, de Suspensão de Liminar de Reintegração de Posse relativa a T.I. Kurusu Ambá II. O pedido foi introduzido pela Funai, em 16 de janeiro de 2015, quando a comunidade indígena de Kurusu Ambá II encontrava-se na iminência de uma desocupação forçada, em virtude da ordem liminar de reintegração de posse  decretada pela 1ª Vara Federal de Ponta Porã, Estado do Mato Grosso do Sul. O presidente do STF arguiu que “as razões acolhidas para o deferimento do pedido possessório, relativas à existência de justo título e posse mansa e pacífica dos proprietários não-índios, não se revelam consistentes quando se considera o fato de que as áreas sob litígio podem vir a serem declaradas de ocupação tradicional indígena, com supedâneo no art. 231, da Constituição Federal”.

Em seguida, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na pessoa do Desembargador Federal Marcelo Saraiva, que havia decretado a Reintegração de Posse mediante caução idônea e suficiente e, portanto, a desocupação por parte da comunidade indígena do Tekohá Passo Piraju, aceitou o pedido de Reconsideração interposto pela Procuradora Federal, Dra. Maria Luiza Grabner, do Ministério Público Federal, e, em 18 de março de 2015, decidiu revogar a decisão [2]   por considerar indispensável a realização de estudo antropológico na área de litígio uma vez que a “análise da posse indígena é muito mais abrangente do que a legislação civil que rege a sociedade”.

Ainda, em Agravo de Instrumento interposto no TRF3, pela Comunidade Indígena do Tekohá Pacurity, contra decisão da 2ª Vara Federal de Dourados, MS, foi prolatada decisão [3], em 20 de março de 2015, pelo Desembargador Federal Antonio Cedenho, que concedeu o pedido de antecipação de tutela recursal para suspender o mandado de reintegração de posse ante o perigo de lesão irreparável em virtude do acirramento do conflito fundiário na região e da precariedade das condições dos indígenas dos povos Guarani-Kaiowá ali alocados, que ficariam sem acesso a recursos hídricos.

Importante destacar que a morosidade dos procedimentos de reconhecimento das terras indígenas, por parte dos órgãos executivos, tem sido extremamente prejudicial, deixando as comunidades indígenas vulneráveis a violências de variados níveis, dentre elas as invasões de suas terras tradicionais e as ações de Reintegração de Posse orquestradas perante o Poder Judiciário. Além disso, vivemos, no Brasil, um cenário onde se tenta retroagir em relação às conquistas dos povos indígenas: seja ao intentar a todo custo sopesar a tese do marco temporal para aferir a tradicionalidade da terra indígena em desconsideração aos direitos indígenas consagrados, seja ao considerar com prestígio absoluto a posse do direito civil em detrimento da existência dos povos indígenas.

Nessa tela, o questionamento ao Estado brasileiro, muito bem elaborado na entrevista [4] do Instituto Humanitas Unisinos, realizada com Moyses Pinto Neto e Helena Palmquist  reverbera, “quando vamos parar de inventar pretextos para matar os índios?”. É por essa situação de tortura e despojamento em que vivem os povos indígenas no Brasil, que é de se celebrar decisões como as antes anunciadas, em que, por conta da lerdeza dos órgãos executivos e o consequente acirramento dos conflitos fundiários, o Poder Judiciário resta como esperança de justiça mínima aos povos que há décadas aguardam paciente e ansiosamente pela demarcação e homologação de suas terras tradicionais.