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Nota de repúdio às matérias do jornal Diário Catarinense contra a Terra Indígena Morro dos Cavalos

O Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul vem a público manifestar sua indignação e repúdio às matérias publicadas pelo jornal Diário Catarinense, do grupo RBS de Comunicação, veiculadas entre os dias 7 a 11 de agosto, sob o título de “Terra Contestada”, que trata sobre o processo de demarcação da Terra Indígena Morro dos Cavalos, do povo Guarani localizada no município de Palhoça (SC).

Por meio de um caderno “especial” [1], dividido em cinco partes, com 20 páginas no total, mais editorial, o jornal externa sua visão desqualificada e anti-indígena contra os Guarani, demonstrando uma profunda falta de conhecimento a respeito da realidade dos indígenas.

A publicação é desqualificada por procurar influenciar os leitores no sentido de que a luta dos Guarani do Morro dos Cavalos pela demarcação de suas terras tradicionais seria fruto da manipulação de ONGs, e que estas estariam influenciando os Guarani. Além disso, também afirma que toda a ação foi desenvolvida por agentes externos, como se os Guarani não fossem agentes de seus processos históricos, como se fossem tutelados pelas ONGs e precisassem ser representados. Essas práticas, já condenadas pela literatura indigenista, só são utilizadas em casos de racismo e desrespeito por aqueles que desejam negar os direitos dessas populações. O jornal afirma ainda que os Guarani que vivem no Brasil são estrangeiros (requentando inverdades produzidas pela revista Veja, já amplamente contestadas). Além de demonstrar desconhecimento e desrespeito aos indígenas, trata-os com desdém, porque sequer foram ouvidos.

O único Guarani ouvido vive fora da terra indígena há anos e é aliado de grupos contrários à demarcação, cujos argumentos e posição não são sustentados por nenhum outro Guarani. De maneira cínica, o editorial diz que não está contra os Guarani, mas em todo momento condena a demarcação da terra.

O jornal comete inverdades também ao afirmar que os Guarani não habitam tradicionalmente o Morro dos Cavalos e que o Tribunal de Contas da União (TCU) teria manifestado que a TI Morro dos Cavalos não é tradicional e que os Guarani atrapalham a duplicação da BR-101. A ocupação tradicional da TI Morro dos Cavalos está amplamente demonstrada no procedimento administrativo de demarcação através de documentos históricos, mapas, livros e a memória oral. Toda documentação levantada explicita que a população que habita o Morro dos Cavalos faz parte do mesmo povo que habitava o litoral quando da chegada de Cabral, muito embora foram erroneamente nominados por agentes externos com os mais variados nomes. O TCU não é órgão competente para declarar a tradicionalidade de ocupação de Terra Indígena. Essa atribuição compete à Fundação Nacional do Índio (Funai) e ao Ministério da Justiça. A construção dos túneis no Morro dos Cavalos não depende dos Guarani, mas do licenciamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Os Guarani já manifestaram várias vezes, desde 2001, que não se opõem à construção dos túneis.

Fontes desqualificadas

Questionamos e repudiamos o fato de um jornal dar destaque para um antropólogo, no caso Edward Luz, que foi expulso da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) por falta de ética profissional. O referido antropólogo não conhece os Guarani e é contratado pelo agronegócio para produzir contra laudos.  A atitude do jornal se assemelha a buscar um médico cirurgião expulso do Conselho Regional de Medicina ou um advogado expulso da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Agressivo

Questionamos e repudiamos a tentativa do jornal de querer desqualificar, de maneira agressiva, o trabalho do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), de São Paulo, e da antropóloga Maria Inês Ladeira, que foi coordenadora do Grupo Técnico de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Morro dos Cavalos. Maria Inês há anos trabalha junto aos Guarani e tem um estudo aprofundado sobre o território desse povo, além de, principalmente, ser bastante respeitada pelos indígenas. Pelo nível de agressividade e intolerância, nos perguntamos: Que interesses há por trás da publicação de matérias como essas? Quem pagou por essas matérias? Quem pagou pela arte do site do jornal?

Campanha anti-indígena

Sabemos que essas matérias fazem parte de mais uma campanha orquestrada contra os direitos indígenas com o objetivo de criar uma animosidade da população. Essa campanha já foi denunciada em dezembro de 2013, quando várias entidades e pessoas da sociedade civil assinaram a “Carta de repúdio às manifestações e ações anti-indígenas em Santa Catarina”, onde denunciam que esse jornal, além de outros meios de comunicação, estava veiculando “notícias falaciosas e preconceituosas, além de fomentar opiniões declaradamente anti-indígenas. Estes veículos que deveriam primar pela verdade, pela imparcialidade e pela transparência, bem como pelo respeito à Constituição, têm, ao contrário, veiculado apenas as visões dos grupos que se opõem aos direitos dos povos originários, sem dar espaço a outros setores da sociedade e aos próprios indígenas”.

O Cimi Regional Sul defende o direito de liberdade de expressão, mas condena o abuso de poder. Exigimos a retratação do jornal com o mesmo espaço para que a voz dos indígenas seja ouvida. Além disso, faremos uma reclamação junto à Associação Brasileira de Imprensa.

 

Florianópolis, 12 de agosto de 2014