Por ocasião da XXIX Assembléia do Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, realizada na Cidade de Porto Alegre, entre os dias 13 a 17 junho, nós, missionárias e missionários que atuamos junto aos Povos Guarani, Kaingang, Xokleng e Xetá, refletimos sobre os graves problemas enfrentados pelos povos indígenas, bem como avaliamos nossas atividades e planejamos a nossa ação junto a eles para o período de um ano.
O Brasil vive um momento de profunda crise. O governo federal, por estar envolto em denúncias de corrupção (em sua base aliada no Congresso Nacional), perde os referenciais de governar para bem comum. Absorvido, portanto por estas denúncias e pelos anseios da reeleição o atual governo compromete seriamente a governabilidade e abala a esperança dos brasileiros, principalmente daqueles que confiaram que se iniciaria um processo de reconstrução do Brasil e que viveríamos, no futuro, um novo tempo, mais justo e digno para todos.
No que se refere aos Povos Indígenas, a situação de desrespeito, violência e omissões é ainda mais grave. E não há sinais de que será discutida com seriedade uma proposta de nova política indigenista para o país. Perpetuam-se ações paliativas e pontuais nas áreas indígenas, voltadas apenas para responder às denúncias, aquelas de repercussão nacional, relativas à mortalidade infantil e ao crescente número de crianças desnutridas nas comunidades indígenas. No que diz respeito a situação das terras, estas permanecem invadidas e com os procedimentos de demarcação praticamente paralisados, resultado das pressões de políticos, empresários e das oligarquias regionais que não aceitam o direito assegurado para os Povos Indígenas à demarcação das suas terras. Para impedir o cumprimento das determinações constitucionais, estes setores articulam estratégias como, por exemplo, a política da compra de terras e as insistentes tentativas de restrição destes direitos através de projetos de emenda à Constituição Federal.
Sem uma política indigenista definida a Funai, a Funasa e outros órgãos federais, responsáveis por parcelas da assistência nas comunidades, tornam-se inoperantes. Além disso, não contam com recursos financeiros suficientes e com pessoas capacitadas para responder as demandas postas pela realidade indígena, bem como para atender as determinações constitucionais no que se refere a execução das ações e serviços em saúde, educação, atividades produtivas, proteção e demarcação das terras. Sem respaldo institucional do governo estes órgãos ficam fragilizados e acabam vulneráveis aos interesses políticos antiindígenas dos grupos que rondam ou estão no poder.
As violências e omissões praticadas contra os Povos Indígenas, somente são suportadas em função de suas lutas, de sua resistência histórica e da força que brota dos mais de 240 povos existentes em nosso país. Eles reagem quotidianamente alicerçando a vida e alimentando esperança num novo tempo. Os Guarani, por exemplo, através de seus Karaí – líderes religiosos – vêm com muita insistência e determinação reafirmando seu protagonismo na defesa da cultura, da terra e da religião. Os Kaingang vêm rompendo o cerco da opressão do Estado e buscando insistentemente retomar suas terras tradicionais saqueadas e depredadas em épocas não tão distantes. Os Xokleng fazem suas mobilizações para recuperar e se manter nas suas terras e assegurar os seus direitos. O povo Xetá resiste heroicamente, depois de massacres e remoções, apesar de contar apenas com cerca de 100 indivíduos. Estes são sinais que nos permitem acreditar e lutar por uma vida melhor e por uma “terra sem mal”, profetizada e buscada pelo Povo Guarani.
Alimentados na mística vivida e semeada por tantos Povos e na força mobilizadora dos movimentos sociais e populares, nós, missionárias e missionários presentes na XXIX Assembléia Regional do Cimi Sul firmamos, com toda convicção, nosso compromisso com a causa indígena, com a defesa de seus direitos e pela vida em plenitude. Acreditamos firmemente, apesar das adversidades, que é possível construirmos um mundo de fraternidade, de respeito aos direitos individuais e coletivos, de respeito às diferenças étnicas, culturais e religiosas. Acreditamos neste outro mundo possível e por ele lutaremos sempre!
Porto Alegre, 16 de Junho de 2005.