Nós, missionários (as) do Cimi Regional Sul, nestes 30 anos de caminhada, impulsionados pela Boa Nova do Evangelho, vimos expressar a nossa compreensão, nossas preocupações e esperanças diante da realidade atual, a partir da prática missionária junto às comunidades indígenas.
A sociedade brasileira chega hoje na metade do que esperava ser o primeiro governo popular da história do Brasil. Até o momento, no entanto, o governo Luiz Inácio Lula da Silva vem dando mostras de ser a simples continuidade das administrações anteriores, especialmente de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002).
Abandonando suas bandeiras históricas, seus compromissos com os setores populares e mesmo suas promessas de campanha eleitoral, o Governo Lula associa sua prática política e sua imagem, cada vez mais, ao grande capital financeiro, às grandes empresas, ao latifúndio e ao agronegócio, retirando de sua agenda política os setores populares, os trabalhadores, suas demandas e suas propostas para uma sociedade justa.
Para estes, para os excluídos, para os miseráveis, para os condenados da terra e das periferias das cidades, a administração Lula reserva as migalhas do orçamento federal, através de políticas assistencialistas e compensatórias.
Ao reconhecermos que o governo busca realizar mudanças na sua política externa, com a construção de alianças na América Latina, África e Ásia, denunciando as injustas relações internacionais entre os países pobres e países ricos, esperávamos que estas mudanças ocorressem também na política interna.
Não enxergamos, no entanto, no atual comando da Nação vontade política de transformar a sociedade brasileira e de resgatar as enormes dívidas sociais acumuladas nestes longos 500 anos. Pelo contrário, enxergamos o seu deslumbramento com o poder e a sua alegre integração às tradicionais e conservadoras elites nacionais.
Visto como uma oportunidade histórica única para os setores populares, o governo Lula se satisfaz e se conforma em apenas administrar a economia e o Estado para a mesma minoria de brasileiros, mantendo e reforçando os privilégios e as desigualdades seculares.
E os povos indígenas, onde se encontram neste atual momento histórico, nesta conjuntura social e política? Observamos que ocorreu, sem dúvida, um processo de conquistas e acúmulos, realizados durante as últimas décadas, frutos do protagonismo dos povos indígenas, dos esforços de seus aliados e das entidades de apoio. Este processo se encontra paralisado e, inclusive, com sérias ameaças de retrocesso.
Isto se dá pelo fato de que os setores anti-indígenas, incrustados nos estados da Federação, no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas, na mídia nacional e estadual, terem se articulado com o governo federal, terem se colocado como sua base de sustentação política e terem exigido deste a anulação de uma política indigenista digna deste nome – no que tem sido plenamente atendidos.
SITUAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NOS ESTADOS DO RJ, SP, PR, SC E RS.
Nesta região, os povos indígenas vêm sendo expostos a uma crescente violência à sua integridade física, cultural, territorial e aos seus direitos constitucionais:
– o governo Lula escolheu como seus interlocutores exclusivos representantes do poder econômico e político local, via de regra anti-indígenas. Tais setores, com aceitação, apoio e reconhecimento do governo federal, vêm constituindo comissões ilegítimas para definição de terras nos estados do Sul, a exemplo da criada em Santa Catarina, pelo Ministro da Justiça, neste mês de setembro. Na prática, tais comissões são criadas com a finalidade de reduzir territórios ou de interferir para a sua não demarcação;
– representantes do Partido dos Trabalhadores no Congresso Nacional exigiram a revogação de portarias de demarcação de terras indígenas, a exemplo da área La Klãnõ do povo Xokleng e Chimbangue do povo Kaingang;
– ministérios, como o das Minas e Energia, exigiram a liberação de terras indígenas para a construção de barragens, com o conseqüente alagamento e perda de território por parte das comunidades;
– cresce constantemente o número de ações judiciais das forças anti-indígenas, com a finalidade de impedir processos de demarcação, portarias declaratórias de terras indígenas etc;
– o órgão indigenista federal, FUNAI, exerce cada vez mais um papel limitador e constrangedor da liberdade das comunidades e lideranças indígenas, estabelecendo critérios restritivos para o deslocamento destas, tentando inibir e mesmo proibir sua livre circulação;
– embora tenham ocorrido alguns processos demarcatórios, muitos processos de demarcação de terras indígenas da região Sul encontram-se paralisados no Ministério da Justiça, por força da ação de lobbies dos setores anti-indígenas, tais como as áreas Toldo Imbu, Toldo Pinhal, Morro dos Cavalos, Palmas, Ribeirão Silveira, Piaçaguera e Rio dos Índios.
Passamos, portanto, da ausência de uma política indigenista nos anos FHC para uma política deliberadamente anti-indígena no governo Lula.
CONCLUSÃO
Coloca-se hoje, como desafio para os setores populares do Brasil, em geral, e para os povos indígenas, em particular, a tarefa de organizar-se, articular-se, mobilizar-se e de romper a política conservadora do governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante as últimas décadas, os setores populares e os povos indígenas nunca deixaram de lutar e de ter conquistas. Ao contrário do que desejam as antigas como as novas elites brasileiras, os setores populares e os povos indígenas darão continuidade às suas lutas e continuarão obtendo vitórias.
Palhoça (SC), 24 de setembro de 2004.