Conselho Nacional de Educação realiza
reunião especial sobre educação escolar indígena
Ocorreu, no último dia 12 de março, reunião extraordinária do Conselho Nacional de Educação (CNE), com o objetivo de avaliar a implementação e buscar mecanismos para o efetivo cumprimento da Resolução CEB/CNE 03/99, que fixa normas para o funcionamento das escolas indígenas e diretrizes curriculares nacionais para educação escolar indígena no país. O evento foi resultado de uma iniciativa da representação indígena no CNE e da Comissão Nacional de Professores Indígenas. Estiveram presentes, além de vários Conselheiros, membros da Comissão Nacional de Professores Indígenas e pessoas ligadas às diversas instâncias e órgãos que atuam – direta ou indiretamente – na educação escolar indígena.
Nos diferentes pronunciamentos, seja dos próprios índios, seja de representantes das entidades, um dado recorrente foi a constatação de que há uma enorme distância entre os avanços registrados na atual legislação indigenista, com destaque àquela referente à educação, e a realidade da maioria das escolas indígenas. Nas palavras do Prof. Jamil Cury, presidente da Câmara de Educação Básica, quando o Conselho ousou produzir a Resolução e seu Parecer (014/99) – que procura garantir, através da educação escolar, tanto o respeito à diferença como à igualdade, numa conciliação à igualdade profunda da pessoa humana, “sabíamos que não seria tarefa fácil a sua implementação. É necessário desconstruir um arraigado sentimento de preconceito (por vezes inconsciente) para construir essa nova perspectiva de diálogo e respeito”.
A Conselheira indígena, Francisca Pareci, chamou a atenção para a defasagem existente na questão da execução afirmando que “poucos estados estão desenvolvendo ações dentro dos novos princípios. Há desinteresse oficial em atender às demandas. Um exemplo concreto desse descompasso é o Plano Nacional de Educação: algumas das 21 metas referentes à educação escolar indígena já estão com seus prazos esgotados. Cursos de formação de professores indígenas estão paralisados e há pouca participação indígena nos espaços oficiais de decisão”. Concluiu dizendo que “a situação requer um esforço coletivo”.
Segundo Luís Donisete Grupioni (Mari/USP) “apesar de uma legislação avançada, há uma realidade impermeável a ela. É preciso novas práticas, ou seja, ações que alterem positivamente a realidade das escolas indígenas”.
Lembrando que o quadro de avanços legais é fruto do protagonismo indígena, através de seus movimentos e organizações, com apoio de seus aliados, a representante do Cimi destacou como questão central a falta de um financiamento específico – no orçamento da União – para as escolas indígenas, como é o caso do FUNDEF (da educação fundamental) e o FUNDEJA (da educação de jovens e adultos). Questionou também, no que diz respeito aos espaços de participação indígena e controle social, o fato da Comissão Nacional de Professores Indígenas ter não-indígenas como presidente e vice-presidente, além da ausência de professores indígenas na composição da Comissão que analisa os projetos encaminhados ao MEC através da Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas.
Benjamim Baniwa, representando o Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia (COPIAM) criticou duramente a instituição escolar, avaliando que “a história passada – de colonização, violência e exploração – é muito atual nas aldeias. Desde a implantação da primeira escola no Brasil até hoje, para quê serviu a escola para os povos indígenas?” E acrescentou: “é uma vergonha para as pessoas e instituição que instituíram a escola para os índios pois ela não trouxe resultado, nem mesmo dentro do objetivo oficial, que era a de domesticar os índios. Os índios não deixaram de ser índios!. Essa escola não vale nada. Ela piorou a vida dos indígenas”. Por outro lado, refletiu: “é hora de usar essa arma – a escola – do nosso jeito, em prol da nossa vida”.
A procuradora Débora Duprat, da 6ª Câmara/Ministério Público, colocou sua análise de que “o pano de fundo é, na verdade, a questão de que, com a Constituição de 1988, houve um rompimento de um modelo anterior, homogêneo, para um modelo plural. Porém, o Estado continua se orientando pelo modelo anterior”. Expôs ainda seu entendimento de que é preciso colocar na mão dos índios a responsabilidade e o poder de construir seus projetos de escola e de que a Resolução 03/99 deve servir como indicativo e não como padrão ou modelo único, já que há uma grande diversidade de povos, realidades e situações envolvendo a problemática da escolarização indígena. Como encaminhamento concreto para diminuir a enorme – e, de certa forma, irresponsável distância entre a lei e a prática, o Ministério Público, na sua função constitucional de fiscalizador, que tem o papel de exigibilidade, propôs um “ultimato”: a realização de audiências públicas nos estados para colocar prazos e cobrar a implementação dos direitos indígenas com relação à educação.
O representante do MEC, Cléber Mattos, atual Coordenador Geral de Apoio às Escolas Indígenas, avaliou que é preciso superar a “desarticulação existente entre as ações dos diferentes Ministérios. Existem ações paralelas nas próprias Secretarias do MEC. Há choques de políticas, uma certa irracionalidade”. Esse é, dentre outros, um desafio para o novo governo.
Os professores indígenas, juntamente com suas comunidades, movimentos e articulações têm apostado na possibilidade de que as escolas indígenas sejam parte de seus projetos de presente e futuro. Para isso têm se mantido mobilizados e somado seus esforços, incluindo seu compromisso e trabalho pedagógico cotidiano. Cabe ao estado cumprir seu dever de garantir a todo cidadão a educação, enquanto um direito subjetivo. No caso dos povos indígenas, acrescente-se o direito à diversidade cultural, que coloca como exigência uma educação específica, diferenciada e intercultural, ou seja, modelos próprios de escola.
Brasília, 14 de março de 2003.
Profa. Rosa Helena